Arquivo para maio \30\-03:00 2011

Tempo de mudanças

Sábado à tarde, Praça do Ciclista, esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação. Da cobertura de um prédio, moradores jogam balões coloridos e saúdam a manifestação. As pessoas, que caminham com cartazes, fantasias e flores em um protesto pacífico, vibram. A Marcha da Liberdade avança.

Policiais, que dias antes haviam reprimido com violência um protesto pela legalização da maconha (veja os vídeos do jornal Folha de S. Paulo e da revista Trip), desta vez apenas observam, formando um cordão protegendo a massa. Nem os gritos de “ei, polícia, liberdade é uma delícia”, tiram a tropa do sério.  O afastamento de dois oficiais, cuja responsabilidade pelo excesso de violência na manifestação anterior está sendo apurado em sindicância interna aberta pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, freia o ímpeto dos mais exaltados.

Pela cara, alguns PMs parecem incomodados com a multidão colorida; outros, sorriem e olham com simpatia as flores e o tom de brincadeira da passeata. Todos mantêm uma postura profissional, evitando confrontos desnecessários. Afinal, além do afastamento de oficiais, o próprio governador Geraldo Alckmin adotou um tom crítico ao falar sobre a repressão à última manifestação (ouça na CBN).

Controle
Espera. Assim como a manifestação anterior, a Marcha da Liberdade também foi proibida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O desembargador Paulo Antonio Rossi utilizou toda sua autoridade para determinar que o Estado de São Paulo coibisse a manifestação. A Polícia Militar chegou a anunciar que a passeata estava proibida. O que aconteceu então?

Quando a ordem institucional deixa de dialogar com a realidade, nenhum juiz tem autoridade para proibir uma manifestação por liberdade ou democracia. Foi o que aconteceu, é o que tem acontecido. Não adianta ordenar o silêncio ou a ausência. Não dá para coibir a indignação com bombas ou gás de pimenta. O magistrado pode até determinar que sua ordem seja cumprida a qualquer custo (leia-se com a promoção pública de uma carnificina) e a tal indignação pode até ficar escondida, contida por um tempo. Isso, para explodir de uma só vez em uma revolta violenta. Melhor assim, manifestações pacíficas, protestos, greves (leia mais sobre a campanha salarial dos Metroviários de São Paulo) – instrumentos de diálogo institucional para mudanças. Prevaleceu o bom-senso do comando ou do governo de não tentar forçar o fim da manifestação com botinadas.

Pior para o desembargador.

Liberdade
É tempo de mudanças e quem não conseguir visualizar e entender isso vai ficar igual o citado magistrado, dando ordens ao vento. Os protestos recentes não são orquestrados ou partidários; não são parte de um movimento político bem organizado, com líderes e hierarquia. Não, são manifestações públicas quase espontâneas, impulsionadas pela internet e pela facilidade que a comunicação em rede permite para a troca de informações.

Foi assim que aconteceu o churrasco-protesto em prol de uma estação de Metrô em Higienópolis, parte da construção de uma rota de ligação importante com um pedaço da Zona Norte até agora mal conectado com o Centro de São Paulo. Foi assim que começaram os protestos recentes que derrubaram ditaduras no Oriente Médio e no norte da África. Foi assim que ganharam força as manifestações de agora na Espanha e em Portugal.

A política está mudando. E não é uma leitura só deste escriba atrapalhado, que talvez escreva melhor sobre mobilidade urbana do que sobre protestos. Olha o que o Clóvis Rossi andou escrevendo sobre o tema.

Informação e poder
São mudanças recentes, ainda não muito claras ou definidas. Ao mesmo tempo em que as manifestações individuais ou coletivas influenciam cada vez mais a política, a maneira como a troca de informações se dá na sociedade também muda rapidamente. Começam a surgir redes em que os integrantes são mais do que telespectadores ou leitores passivos. Em vez de apenas receber informações, tal público também influencia. Republica, comenta, questiona, participa. Acaba ditando os assuntos mais importantes do dia – e que ninguém se iluda, o interesse pelo tipo de batom da celebridade x ou y pode até provocar explosões de audiência, mas o que consolida e fortalece a audiência um portal é a credibilidade, independência e seriedade com que temas relevantes são tratados.

O público participa e troca informações. Foi assim que as notícias sobre a morte de camponeses no Pará ou em Rondônia espalhou-se pelo resto do país, a ponto de provocar críticas até por parte de ministros. Foi assim que ganhou força a mobilização contra a flexibilização do Código Florestal – e a indignação com o posicionamento de deputados pró-desmatamento liderados pela bancada ruralista fez a audiência de ((o)) eco disparar em função da boa cobertura crítica que o portal realizou  sobre o assunto.

O tempo em minha bicicleta

Durante a viagem que fiz em março para o Irã conheci o Takeshi Tomita, um médico cirurgião japonês que, entre kebabs e muito dugh (bebida típica sem álcool de iogurte salgado), se tornou um grande amigo. Ele estava fazendo um giro pela região, mas teve que interromper sua viagem e voltar para o Japão e ajudar no atendimento das vítimas do desastre nuclear. Continuamos em contato pela internet e outro dia ele me escreveu entusiasmado, contando que havia ido para o trabalho de bicicleta. Ele escreveu a respeito para o Outras Vias:

“Conforme o tempo passa, conforme fui ficando mais velho, troquei a bicicleta como meu principal meio de transporte por um carro. Hoje, trabalho em Tóquio, uma das cidades ‘mais ocupadas e rápidas’ do mundo, e sou médico, uma das profissões ‘mais corridas’ de todas. Minha filosofia de vida tem sido ‘tempo é dinheiro’. Isso quer dizer que o tempo é tão importante quanto dinheiro, então não devemos desperdiça-lo, como vocês sabem.

Conheci um brasileiro chamado Daniel no Irã, quando eu fazia uma viagem pela Índia, Paquistão, Irã e Turquia. Nós viajamos juntos no Irã e na Turquia por mais de uma semana e viramos bons amigos, apesar de eu não ter certeza se ele me considera um bom amigo.

De qualquer forma, ele é um rapaz muito legal e ama tanto bicicletas que até acho que ele as prefere a uma garota. E se tem algo que me deixou cansado durante a viagem é que ele sempre me dizia para parar de dirigir um carro e ir para o trabalho de bicicleta. Durante a viagem, ouvi demais essa sugestão.

Alguns dias passaram, eu voltei para o Japão e para o meu trabalho de médico novamente. Então, minha vida voltou a ser comum, ocupada e rápida.

Até que um dia em Tóquio eu acordei uma hora mais cedo que o comum. Não sei por que fiz isso, mas fui pedalando até o hospital. No caminho, descobri uma escola com crianças falando, sorrindo e dando risadas com prazer. Elas pareciam muito felizes e a felicidade e paz na cara delas me fizeram feliz também. E eu passei também um velho e lindo templo japonês.

Descobri que o caminho é silencioso e com bastante verde, e que o ar é limpo. Mesmo sendo o mesmo caminho que eu faço de carro, isso tudo foi novidade para mim.

No caminho para o hospital de bicicleta eu me senti maravilhoso e feliz. Consegui tempo para pensar em muitas coisas também.

Hoje minha filosofia ainda é ‘tempo é dinheiro’. Mas isso significa agora que o tempo é tão importante quanto dinheiro, então devo aproveitá-lo devagar, como quando pedalo minha bicicleta.”

Takeshi Tomita
Médico cirurgião cardiáco
Tóquio – Japão

Uma foto do velho e lindo templo japonês:

Uma oficina de ideias

Estacionamento na porta!

No último sábado, dia 21, como parte do Mão na Roda, o projeto de mecânica e discussão técnica comunitária da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), aconteceu a oficina especial Ideia Fixa. A reunião foi realizada no espaço Contraponto, onde toda quinta-feira acontecem os encontros da Mão na Roda. Do zero, os fixeiros Rafael Rodo e Daniel Haase montaram uma bicicleta fixa, dando explicações detalhadas e instruções técnicas a cada peça instalada.

O encontro contou ainda com uma palestra do fabricante de quadros Igor*, que explicou detalhes sobre as propriedades de cada material utilizado e especificações de tamanhos. Um verdadeiro curso de graça sobre montagem de bicicletas, organizado e realizado de maneira voluntária por gente apaixonada que tem como objetivo ver mais gente pedalando e se envolvendo com bicicletas na cidade.

Haase e Rodo apresentam as peças da fixa a ser montada.

As falas foram transmitidas ao vivo e estão disponíveis no arquivo de filmes da Ciclocidade e nos links abaixo (com algumas interrupções por falhas na transmissão). O material pode ajudar quem não conseguiu participar por estar em outra cidade, mas tem interesse em tentar montar uma bicicleta deste tipo:

Ideia Fixa parte 1, parte 2, parte 3, parte 4, parte 5, parte 6 (com fala do Igor), parte 7, parte 8, parte 9, parte 10

Haase apresenta mais uma peça enquanto Rodo ajusta a bike.

No final do encontro, aconteceu a exibição de filmes a cargo do também fixeiro Bruno Gola. Hipnotizante assistir às sequências de imagens de bike messengers de Nova Iorque, fixeiros subindo e descendo as colinas de São Francisco em uma velocidade impressionante, e imagens feitas pela galera em São Paulo. Produções feitas com uma qualidade absurda, com detalhes tão precisos que ficam nítidas gotas d´água espirradas por uma roda que passa.

A fixa pronta!

E quando se trata de bicicletas fixas, em que a estética de pedalar é apaixonante, este tipo de filme envolve, seduz. A precisão, as manobras, o envolvimento total com a bicicleta, tudo impressiona. Paixão por técnica é uma constante, as pessoas se apaixonam por detalhes, por construir, montar, desmontar. Quase uma obsessão. Tem gente que sente isso por armas ou por carros. Tem gente que sente isso por bicicletas.

Paixão por detalhes!

Só que, neste tipo de encontro, mais do que um curso técnico, acontece também uma oficina de ideias. Trata-se de uma troca paralela, meio informal até, incontrolável de sugestões e opiniões que vão desde como melhorar a cidade até a possibilidade de organizar campanhas de arrecadação de roupas para moradores de rua no frio; sem falar no intercâmbio de informações sobre passeios, encontros, caminhos, modelos de bicicletas, roupas, Massa Crítica, ciclismo profissional.

Sorte da cidade que tem oficinas de ideias. Fixas ou não.

Mais sobre o evento no Pscycle e fotos muito melhores do que a deste blog no Flickr do Gonzalo Cuéllar.

* Se alguém tiver o contato do Igor, favor deixar nos comentários para ajudar quem está buscando quadros especiais.

Fixas, bike de corpo e alma

No sábado, a partir do meio-dia, haverá um encontro temático na oficina comunitária Mão na Roda sobre bicicletas fixas (leia mais no blog do Mão na Roda na página da Ciclocidade). No encontro, o pessoal que pedala este tipo de bicicleta montará do zero um modelo, dando dicas e instruções para quem tiver interesse no assunto. Mas que diabos são bicicletas fixas?

Fixa é o tipo de modelo sem marchas e sem liberdade na corrente. A roda gira toda vez que o pedal gira e… vice-versa. Tenta imaginar. Não é só na subida que fica mais difícil (já que simplesmente não existe a facilidade de se trocar para uma marcha mais leve). Não; nas descidas também é preciso pedalar e controlar o ritmo da bicicleta. A relação entre o pedal e a velocidade é tão intensa que o freio é praticamente desnecessário. Para brecar uma fixa, o melhor é ficar de pé e travar o pedal, deslizando a roda (derrapando).

Mas por que as pessoas optam por bicicletas assim?! Pois é, tem a ver com esse lance de intensidade. Pedalar uma fixa é estar totalmente conectado com a bicicleta. Cada movimento das pernas, dos quadris, dos braços influencia na maneira como a bicicleta, que é leve e tem pneus finos, se mexe. Dá para sentir cada buraquinho do asfalto, cada imperfeição. E manter a velocidade (ou diminuir) é um exercício constante de concentração, foco e ritmo.

É lindo.

Liberdade
Quem critica fixas diz que elas são bikes limitadas, que não dá para fazer tudo com uma dessas. Eu não sei, mas suspeito que tal afirmação não tem cabimento. Lógico que você não vai entrar em uma trilha cheia de pedras com uma bicicleta com o pneu fininho, mas, até aí, também não dá para encarar uma dessas com uma bicicleta “normal”, sem pneus de cravo e suspensão.

Tenho convivido com gente que pedala bicicletas fixas. A minha grande amiga Aline Cavalcante foi quem me apresentou uma. Tentei montar na dela, me atrapalhei, quase cái algumas vezes e fiquei bobo com esse tipo de modelo. Ensaio desde então para, morando em um bairro repleto de colinas, tentar pedalar uma dessas com alguma regularidade. Talvez dê para aprender na Ciclofaixa de Lazer.

É inspirador ver a paixão de gente como Gola, Talita, Laurinha, Pedrinho, Rodo e tantos outros amigos próximos ou não. O tesão pedalando é uma constante para essa turma.

Leia também: próximas oficinas Pedalinas

* Tirando o pôster, as imagens deste post são todas do Adams Carvalho, ilustrador talentoso já citado neste blog anteriormente. Quando o conheci, ele estava subindo a Rua Augusta de fixa. Vale conferir mais do trabalho dele no blog, no portfólio e nesta página em que estão reunidas todas as imagens de fixas reproduzidas aqui).

Fotos de uma flâneur em Curitiba

Flanar. Caminhar sem objetivo, sentindo a cidade, tornar-se a cidade. Cada vez mais deixamos de viver o viajar e a viagem passou a ser apenas uma obrigação chata a ser completada da maneira mais rápida possível. Nesta realidade neurótica e apressada, vale lembrar de como o andar sem rumo já foi apreciado. João do Rio, no começo do século passado, escreveu considerações ainda bastante atuais sobre o caminhar nas ruas do Rio de Janeiro.

“Essas qualidades nós as conhecemos vagamente. Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes — a arte de flanar. É fatigante o exercício? (…) Flanar! Aí está um verbo universal sem entrada nos dicionários, que não pertence a nenhuma língua! Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite (…)  É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico. Daí o desocupado flâneur ter sempre na mente dez mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas (…) O flâneur é o bonhomme possuidor de uma alma igualitária e risonha, falando aos notáveis e aos humildes com doçura, porque de ambos conhece a face misteriosa e cada vez mais se convence da inutilidade da cólera e da necessidade do perdão.”

Vale para pensar sobre o ritmo que vivemos.

O texto é um trecho do livro “A alma encantadora das ruas ruas”, disponível para download no site Domínio Público, conforme a indicação deste blog aqui.

Curitiba
A Leniza Wallbach é uma amiga querida que conheci no encontro das bicicletadas de São Paulo e Curitiba, no ano passado. Além de comentários gentis em diversos textos deste blog, ela é uma fornecedora constante de ideias sobre mobilidade e notícias animadoras. Desta vez, enviou por e-mail imagens que captou flanando por Curitiba, depois de ler este texto aqui sobre caminhar sem rumo. O ensaio completo está disponível em um álbum que ela criou no Facebook. Seguem algumas das melhores fotos deste caminhar sem objetivo, mas cheio de sensibilidade.

Ciclos de esperança

Na última quarta-feira, 11, aconteceu mais uma reunião geral da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade). Coordenadores das diferentes áreas do grupo apresentaram resultados e discutiram perspectivas, enquanto os demais presentes colaboravam com sugestões, ideias e novos sonhos. São projetos que gradualmente avançam e começam a influenciar políticas públicas e a forma como quem pedala é visto na cidade. Tem tanto a ser feito e ajustado que os responsáveis pelos principais projetos toparam sacrificar o domingo em um mutirão de trabalho.

Há desde ações localizadas e eventos específicos até articulações e pressão envolvendo políticos e empresas para o incentivo do uso da bicicleta como transporte. Representantes da Ciclocidade têm feito reuniões com autoridades de trânsito e representantes do poder público e influenciado na tomada de consciência em relação a quem se locomove sem carro na cidade, seja por opção, seja por falta de. Não é à toa que foi criada a Frente Parlamentar em Defesa da Mobilidade Humana na Câmara dos Vereadores. Não é à toa que a Prefeitura lançou nesta semana uma campanha de defesa do pedestre.

São mudanças de paradigmas na maneira como as políticas de mobilidade sempre foram pensadas em São Paulo. Trata-se de um avanço que, se não ficar só no discurso, pode alterar completamente a cidade. Menos avenidas, túneis e obras megalomaníacas e mais investimento em transporte público e infraestrutura para pedestres e ciclistas. As notícias sobre as visões do secretário de Transportes Marcelo Branco são boas e dão esperança de que podemos avançar.

Oficialização de ciclorotas sinalizadas na cidade, programas conscientização de motoristas de ônibus e táxi sobre a importância de respeitar quem é menor no trânsito, medidas para aumentar o respeito aos pedestres são alguns dos sonhos mais próximos. Este blog espera, em breve, trazer novidades.

Utopia
É claro que é difícil acreditar antes de ver projetos saírem do papel. Sem prazo, muitas promessas não passam de promessas; e quem vive em São Paulo sabe quantas promessas de construção de ciclovias foram feitas até agora. É difícil, ainda mais quando agora se fala em um planejamento que não se limita a criação de pistas segregadas, mas sim, além de ciclovias (que, sim, são necessárias em alguns pontos), da criação de uma cultura de convivência e compartilhamento das vias, com redução de velocidade para os carros e sinalização. Soa como um sonho irreal, só que deixar de acreditar que, sim, a mudança é possível, é arriscado também.

Em 2008, em um congresso internacional de jornalismo promovido pela Fundação Avina, o professor Javier Darío Restrepo deu uma aula sobre ética (leia o discurso na íntegra em espanhol), sobre como fazer jornalismo com ética. E seu principal argumento é de que é necessário ter esperança, acreditar. Quem deixa de sonhar com a utopia, quem deixa de sonhar em uma cidade melhor, em menos poluição, em ruas em que as crianças podem brincar tranquilas, corre o risco de se conformar. E, na lógica do não dá para mudar, reina o individualismo e o cada um por si. Não dá para abrir mão da crítica e de fiscalizar o poder público, mas a falta de esperança anda de mãos dadas com cinismo.

Imaginação
No seu livro Contra o Fanatismo, o escritor israelense Amós Oz fala sobre a imaginação como arma contra o fanatismo, para a desconstrução de preconceitos. Imaginar o outro, ter a capacidade de visualizar o humano, de assumir seu lugar, escrever, ler, falar e ouvir são armas poderosas. Dialogar pode dar resultados mais efetivos contra o fundamentalismo do que atacar com balas.

No livro História Sem Fim, aquele que virou um filme que, quem é mais velho certamente vai se lembrar, o autor Michael Ende usa uma série de alegorias para falar sobre esperança, imaginação e medo. O herói tem que salvar o reino de Fantasia e para isso precisa imaginar, sonhar, desejar. Alguns personagens de Fantasia, desesperados em meio ao avanço da escuridão, se matam se jogando no Nada, que não para de crescer. E a história toda gira em torno da briga entre Fantasia e o Nada. O livro é maravilhoso.

Conseguir imaginar uma cidade diferente é o primeiro passo para as mudanças efetivas acontecerem. E fazer isso em conjunto é ainda mais gostoso. Ver pessoas que se importam, que acreditam e trabalham por uma cidade melhor renova a esperança. Sim, dá para tornar São Paulo uma cidade agradável, viva e amistosa para pessoas de novo. Viva a Ciclocidade!

Veja palestra de Renata Falzoni no TedX na Vila Madalena

As fotos desta página são de um domingo em um parque de São Paulo. Mas poderiam ser de dias da semana na cidade.

Convivência nas ruas, arma contra preconceito

Mulheres observam grafite em pedaço remanescente do Muro de Berlim, na Alemanha

Entrevistei na semana retrasada a professora Zilda Márcia Grícoli Iokoi, historiadora envolvida com o Laboratório de Estudos da Intolerância (LEI) da Universidade de São Paulo (USP), uma pesquisadora acadêmica de destaque no combate a crimes raciais e em estudos sobre ódios. Foi bom falar com ela e aprofundar algumas ideias; a professora Zilda é de uma linha que tenta entender relações e foge de imagens simples. Não, o nazismo não foi autoria de apenas um alemão com bigodinho ridículo, mas sim uma construção coletiva complexa e de bases sólidas da qual ainda não estamos totalmente livres. Intolerância não é algo simples, e, por isso, não é simples de ser entendida e combatida.

Conversávamos sobre o agravamento do preconceito contra os bolivianos que migraram para São Paulo, tema de reportagem que sai no próximo domingo no jornal Folha Universal, para onde escrevo também, quando ela começou a falar sobre um processo de isolamento social em curso em São Paulo, que envolve também o trânsito e a maneira como nos deslocamos.

“As pessoas vivem em guetos. Cada um no seu bloco residencial, no seu condomínio fechado, em escolas privadas, em automóveis sozinhos. As pessoas não vivem mais em ambientes coletivos, nunca. Tenho alunos na USP que nunca viram o Centro da cidade”, Zilda Márcia Grícoli Iokoi.

O problema é que, me explicou gentilmente a professora especialista em intolerância, quando você passa a conviver somente com iguais, com pessoas que tem a mesma renda e o mesmo conjunto de valores, deixa de haver o diálogo com o diferente. Este contato é o que ajuda a perceber o outro, a entender, aceitar e respeitar. Sem tal conexão, surge espaço para a criação e fortalecimento de estereótipos. Ideias toscas, rasas, generalizantes e perigosas; como a de que os bolivianos são “sujos” ou que moradores de rua são “vagabundos que não gostam de trabalhar”. Ou que quem protesta nas ruas e não se conforma com absurdos rotineiros é “desocupado e baderneiro”. Ideias que servem de base para o preconceito e para ações de ódio.

“As pessoas se isolaram por conta do medo da violência e não perceberam que esse isolamento se transformou em intolerância. Não convivem com nada e nem com ninguém. Não há diálogo, não há discussão. Surge o preconceito”, Zilda Márcia Grícoli Iokoi.

Intolerância e medo
Impossível não pensar nas considerações da professora Zilda ao ler no UOL que “após pressão de moradores, empresários e comerciantes de Higienópolis, bairro de alto padrão no centro da capital, o governo de São Paulo desistiu de uma estação do Metrô na avenida Angélica, a principal do bairro”. E que entre as alegações da Associação Defenda Higienópolis estava de que a criação de uma nova estação aumentaria o “número de ocorrências indesejáveis” e faria da área “um camelódromo”. Foram 3.500 assinaturas para derrubar o projeto de ligação da Brasilândia, na Zona Norte, com a área central.

O Felipe Gil, um bom amigo que também é jornalista e costuma tomar um cuidado bastante apropriado com números, lembra que, por dia, a estação Vila das Belezas*, a menos movimentada de toda a rede, recebe 6 mil passageiros. E aí?

Leia também:
– São Paulo, segregação urbana e desigualdade, texto acadêmico de Flávio Villaça no Dossiê São Paulo, Hoje, da revista de Estudos Avançados
– Droga de elite, análise de Fernando Canzian na Folha

* atualizado às 18h21; informei incorretamente que era a estação Paraíso a menos movimentada da rede. É a Vila das Belezas.

“Deslocamento é Lugar”

A revista urbania4 publicou um texto muito interessante sobre mobilidade urbana com entrevista do ex-secretário de transportes de São Paulo Lúcio Gregori e o véio conhecido desse blog Thiago Benicchio, diretor da Ciclocidade. Mas o que me encantou logo de cara foi o título da matéria: “Deslocamento é lugar”. Achei a frase uma síntese lindíssima de um monte de coisas que estavam na minha cabeça há tempos e que mais recentemente foram motivadas pelas pinturas e gravuras do artista plástico André Ricardo. O André é paulistano e pinta paisagens. Mas a concepção dele do que é paisagem tem totalmente a ver com um dos lugares em que ele passa mais tempo da sua vida: o deslocamento.

Ele mora no Jd. Clipper, um entre as dezenas de bairros desconhecidos da zona sul de São Paulo, e estuda na USP, na zona oeste. Nos primeiros anos da graduação a viagem levava duas horas. Atualmente, depois da extensão da linha Esmeralda da CPTM – que corre entre o rio Pinheiro e sua marginal até o Grajaú -, ele vive 40 minutos pra ir e outros 40 para voltar. E essa vida dentro do vagão é o tema de uma exposição que ele está fazendo até o dia 14 no Conjunto Nacional, lá na Paulista. (clique para saber mais)

Pessoalmente, eu acho o trem e o metrô meios de transporte que alienam o cidadão da cidade. Carregam o sujeito por locais monótonos, marginais, subterrâneos, onde pouco ou quase nada na paisagem pode ser captado ou alterado. James Hillman, no livro Cidade e Alma, disse alguma do tipo: o que faz as pessoas caminharem por um lugar é a atratividade que ele tem aos olhos e sem a presença humana a cidade cria sombras.

Na sinopse da exposição, o André resume assim a vida que ele observa dentro do trem: “O estado de sono manifesta-se como expressão do cansaço e, ao mesmo tempo, ausência do sujeito em relação a tudo que o rodeia”. O que rodeia essas pessoas é a superlotação, a poluição do rio, as capivaras mutantes, os carros, os prédios envidraçados, o trânsito, as cidadelas segregadas e ricas, os carros e outras pessoas como elas, cansadas. Algumas, menos privilegiadas, não dormem. Seguem de pé, espremidas.

Elas nem percebem que estão sendo retratadas, que são o retrato do descaso.

As imagens das gravuras do André me fazem pensar muito sobre os motivos do cansaço daquelas pessoas, sobre como elas simplesmente não vivem a cidade e como a cidade sem elas é tomada por sombras, por grades, por câmeras.

por Gisele Brito.

Percepções distorcidas e a realidade no trânsito

Foto do Espaço Kids da Fundação Volkswagen, uma das atrações para crianças no Salão do Automóvel. Entre as atrações para a “garotada” no evento está um simulador da Citröen para tirar rachas a até 340 km/h (clique na imagem para mais informações)

“É preciso procurar discernir o que é desejo e o que é necessidade. Há uma poluição de informações que recebemos diariamente. Temos mais de duas mil publicidades por dia que chegam no nosso cérebro incentivando a consumir. São cartazes, placas, anúncios, revistas. É um apelo muito forte”, Diogenes Donizete, técnico da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-SP), em entrevista ao ator sobre compras de Natal em dezembro de 2010

A publicidade utiliza estratégias sofisticadas de psicologia para transmitir ideias, criar sensações e convencer. Em setores econômicos que movimentam milhões e dependem de altos índices de consumo, as empresas atuam isoladamente ou em conjunto para manter as vendas em alta, muitas vezes sublimando e até distorcendo a realidade, ou adaptando e criando novos valores culturais e sociais.

Leia o artigo da psicóloga Maria Rita Kehl sobre fetichismo e perversões no blog da Boitempo

A desinformação se completa pela preguiça, má vontade ou cinismo de boa parte da imprensa, que reproduz releases de maneira passiva e repete estereótipos e lugares comuns sem reflexão. É por isso que a quantidade absurda de acidentes de trânsito que acontece a cada feriado, com número de mortes equivalente à queda de um avião de grande porte, não ganha o destaque necessário. É por isso que adotamos sistemas estúpidos em que há desperdício de energia e recursos, além do comprometimento de milhares de vidas. É por falta de informação técnica de qualidade, jornalismo e discussão que o transporte de carga é prioritariamente rodoviário e não ferroviário no Brasil, só para citar um exemplo do que poderia ser mudado.

Percepções reais
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou nesta semana a segunda parte do estudo (PDF no GoogleDocs) feito sobre Mobilidade Urbana, parte da série de pesquisas para a construção de um Sistema de Indicadores de Percepção Social sobre diversos temas. A intenção do trabalho é quantificar e avaliar as percepções da população, de modo a ajudar na construção de políticas públicas e na resolução dos problemas que afetam a vida das pessoas. É um mecanismo democrático de ampliar a possibilidade de participação coletiva e melhor embasar decisões administrativas.

Na primeira parte do estudo os técnicos apontaram que, apesar de os investimentos públicos serem concentrados na ampliação e melhoria da infraestrutura necessária para o transporte motorizado individual, tais como gastos milionários em obras para construção de pontes e túneis e alargamento de avenidas, a maioria da população usa transporte público, bicicletas ou caminha. Desta vez, o destaque foi para a sensação (ao que tudo indica) exagerada de segurança de quem dirige.

Motoristas e passageiros de carro sentem-se mais seguros do que os passageiros de transporte público em relação a acidentes e assaltos sempre, mesmo quando já tiveram experiências negativas. Entre os que já sofreram acidentes em carros, 78% sempre ou na maioria das vezes se sente seguro. Entre os que já sofreram acidentes em ônibus, está índice cai para 40%. Entre os que já sofreram assaltos em carros, 81% sempre ou na maioria das vezes se sente seguro. Entre os passageiros de ônibus assaltados, o índice de novo despenca: 38%.

Andar de carro é mesmo tão mais seguro assim? O senso-comum se confirma? Será que temos outros fatores influenciando na construção do imaginário coletivo de que carros são mais seguros? O Ipea conclui o estudo defendendo que é preciso questionar e investigar mais a questão, reunindo dados técnicos e objetivos e ampliando o acesso à informação.

“A população precisa ser esclarecida quanto às características de cada modo de transporte em suas respectivas cidades. Além de ter direito a escolha do meio de transporte que quiser utilizar, a população tem que ter acesso à informação para poder realizar esta escolha dentro dos critérios que considerar mais relevante. Quais as vantagens e desvantagens de cada modo? Qual deles é o mais rápido para o trajeto e destino desejado? Qual é o mais barato (incluindo todos os gastos a eles vinculados? Quem paga por estes gastos? Será que o serviço está mesmo indisponível ou não se tem acesso à informação sobre ele? Apesar da sensação de segurança constatada pelo usuário do transporte individual, utilizar o automóvel é de fato mais
seguro?”, trecho da conclusão do estudo do Ipea

Pressa e transporte coletivo
Além de questionar a sensação de segurança no trânsito, a pesquisa do Ipea trás também informações interessantes para qualquer um que tenha interesse em discutir ou pensar sobre sistemas coletivos de mobilidade pública. Um dos elementos a ser considerado é que a pressa é um dos fatores decisivos na escolha do modal.

Velocidade é necessidade básica para todo mundo. Há também outros pontos a serem considerados:

“Os motivos mais indicados pelos pedestres para terem optado por andar a pé são a saúde e a rapidez. Eles afirmam predominantemente que passariam a usar o Transporte Público se ele estivesse disponível, fosse mais barato e também mais rápido; estas duas últimas características para o pedestre são necessárias para se ter um bom transporte. As outras pessoas que se utilizam do transporte não-motorizado (os ciclistas) escolhem a bicicleta pelos mesmos motivos que o pedestre opta por andar a pé (saúde e rapidez), mas também ressaltam o motivo do baixo custo. Assim como para os pedestres, a saúde deixa de ser observada como principal condição para os ciclistas migrarem para o Transporte Público, sendo substituída pela disponibilidade. Além do preço e rapidez, eles ressaltam o conforto (um pouco mais do que os pedestres destacam) como sendo característica de um bom transporte. O conforto é captado como uma das principais condições de migração modal apenas nos usuários de carro, mas aparece como característica de bom transporte para ambos, junto com a rapidez e o conforto”, trecho da pesquisa do Ipea.

Transporte público
Outro ponto a ser considerado é que a ideia de que transporte público é sempre lento ineficiente nem sempre se justifica. O Ipea defende a construção de novos indicadores e a divulgação ampla de informações objetivas para ajudar a corrigir distorções na percepção sobre o tema:

“Ainda que predomine em todos os outros respondentes a indicação de maior rapidez como uma das condições necessárias para que passem a usar o Transporte Público, os usuários do Transporte Público indicam a rapidez como uma das características que os fizeram usar esse meio de transporte. Nota-se, portanto, que a percepção sobre o Transporte Público por aqueles que não são usuários pode ser bastante distinta ou mesmo oposta daque les que o utilizam. Essa é uma constatação fundamental para a atuação pública e necessita dos devidos aprofundamentos para esclarecer a população, sem deixar de manter os esforços na constante melhoria do sistema de transporte público. Nesse sentido estudos que demonstrem velocidades médias urbanas por meio de transporte serviriam para corrigir ou ratificar a impressão que as pessoas têm sobre a rapidez e a eficiência do uso do automóvel em detrimento do Transporte Público, por exemplo.”

Soluções
Por fim, como não poderia deixar de ser, o instituto recomenda investimento em sistemas de transporte coletivo e redução de tarifas como solução para mobilidade urbana:

Percebeu-se uma preocupação geral com a rapidez, o preço e disponibilidade do transporte. Todas elas tendem a justificar investimentos em corredores de ônibus e metrôs aliados a políticas tarifárias que permitam ampliar o número de usuários de TP num cenário em que se reduz o tempo de viagem ao mesmo tempo em que são incluídas mais pessoas no sistema.

P.S. – Dessa vez, quem encaminhou o estudo foi o Gustavo Faleiros, editor do portal ((o)) eco e o Ardilhes Moreira, amigos atentos. A ideia de destacar a diferença entre percepção e realidade veio de uma discussão sobre poluição e saúde no twitter. Quem você acha que sofre mais com os efeitos da fumaça? Quem dirige ou pedala? Vale conferir os links neste texto sobre o assunto do blog Vádebike.org para pensar a questão.

Arte e barbárie

Durante a Ditadura Militar no Chile, soldados entraram na casa do poeta Pablo Neruda e ordenaram que ele entregasse sua arma. O vate não hesitou. Abriu uma gaveta e sacou a esferográfica verde que usava para arriscar seus versos. Diante da cara de dúvida do militar, explicou didático algo assim: “Não se arrisque, com ela eu posso derrubar governos”.

A arte é arma poderosa de transformação. Este é um blog sobre mobilidade urbana, mas, também, como não poderia deixar de ser, sobre transformação de cidades. A maneira como as pessoas se deslocam afeta e determina o formato do espaço em que vivemos. Arte perturba, faz pensar.

No último texto, mencionei que as bicicletadas têm sido marcadamente espaço de criatividade e alegria. Olha a poesia desta última, a do chapéu, nos retratos feitos com sensibilidade pelo Ian Thomaz. Ele não é o único fotógrafo sempre presente na Massa Crítica. O Gonzalo Cuéllar é outro com olhar aguçado que sempre clica as manifestações.

Basnky
Ainda sobre a importância da arte na reconquista do espaço público, do amor próprio, do gostar, olha o Manifesto* que o Bansky publicou tem alguns bons anos, cujo original está em arquivo aqui e a versão traduzida eu encontrei aqui:

“Não consigo dar nenhuma descrição adequada do campo de horror no qual os meus homens e eu tínhamos de passar o próximo mês das nossas vidas. Não passava de um local estéril inóspito, tão estéril como um galinheiro. Corpos jaziam por todo o lado, alguns em montes enormes, algumas vezes jaziam sozinhos ou em pares onde tinham caído. Demorou algum tempo a habituar a ver homens, mulheres e crianças a desfalecer enquanto passavam por eles e resistir ao impulso de ir ao seu auxílio. Cada pessoa tinha de se habituar à ideia que o indivíduo não contava. Todos sabíamos que estavam a morrer quinhentas pessoas por dia e que outras quinhentas pessoas por dia iam morrer durante semanas até que algo que nós tivéssemos feito surtisse o mínimo efeito. Era, no entanto, muito difícil ver uma criança a asfixiar com difteria quando sabíamos que uma traqueotomia e alguns cuidados básicos chegariam para a salvar, víamos mulheres a afogarem-se no próprio vómito por estarem demasiado fracas para se voltarem, e homens a comer vermes enquanto agarravam um pedaço de pão unicamente porque eles tinham de comer vermes para sobreviver e naquele momento pouca diferença sentiam. Pilhas de corpos, nus e obscenos, com uma mulher fraca demais para estar de pé encostada a eles enquanto cozinhava o alimento que lhe tínhamos dado; homens e mulheres agachados por todo o lado aliviando-se da disenteria que lhes irritava as entranhas, uma mulher completamente nua lavava-se com sabão e com a água de um tanque onde os restos mortais de uma criança flutuavam.

Foi pouco tempo depois da Cruz Vermelha Britânica chegar, embora possa não haver ligação, que uma grande quantidade de batom chegou. Isto não era nada do que nós homens queríamos, estávamos a clamar por centenas e milhares de outras coisas e não sabíamos quem tinha pedido batom. Só queria descobrir quem foi que o fez, foi uma acção de génio, brilhantismo puro e inalterado. Creio que nada fez mais por estes prisioneiros que o batom. Mulheres jaziam nas camas sem lençóis ou camisa de noite mas com lábios escarlates, víamo-las a vaguear com nada mais que uma manta nos ombros, mas com lábios vermelho escarlate. Vi uma mulher morta na marquesa de autópsias que ainda agarrava o batom com as mãos. Finalmente alguém fez algo para fazer destas pessoas indivíduos de novo, eles eram alguém, não mais somente o número que estava tatuado no braço. Finalmente eles podiam ter algum interesse na sua aparência. Aquele batom começou a devolver-lhes a sua humanidade.

* Extraído do diário do tenente coronel Mervin Willett Gonin que estava entre os primeiros soldados britânicos a liberar Bergen-Belsen em 1945

Grafite em casa
Além de ideias sobre arte, este artigo reúne o trabalho de dois amigos queridos, o Marcelo Siqueira e o Valdinei Calvento (Cabelo), que passaram o sábado em casa pintando. Contratei os dois durante a Bicicletada e dei total liberdade para eles pintarem. O resultado são as imagens aqui reunidas.

Por último, se você está buscando arte e bicicletas, vale dar uma olhada também no trabalho do Adams.


Os autores

Daniel Santini é jornalista, tem 31 anos e pedala uma bicicleta vermelha em São Paulo. Também colaboram no blog Gisele Brito e Thiago Benicchio.

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Dica de leitura

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