Archive for the 'Direito à Cidade' Category

Mudança!

O Outras Vias mudou para dentro do portal ((o)) eco, ao qual esteve conectado desde sua criação. A alteração ajudará a integrar o conteúdo com o de outras editorias do site, a fortalecer ((o)) eco Bicicletas e é o primeiro passo de uma série de novidades que vem por aí. Em breve, quem sempre digitou http://outrasvias.com.br/ será diretamente redirecionado para o novo endereço  http://www.oeco.com.br/outrasvias

O arquivo inteiro do site será mantido no https://outrasvias.wordpress.com/ e continua aberto em licença C.C. 3.0, como indica esse botãozinho aí do lado. Todo conteúdo pode ser reproduzido contanto que citado o crédito. A biblioteca, com todas indicações de leitura sobre mobilidade urbana, terá um cantinho especial no novo endereço – como devem ter todas as bibliotecas.

Eu e toda equipe de ((o)) eco que trabalhou nas mudanças torcemos para que gostem da nova página. Dúvidas, sugestões, críticas ou reclamações, continuo no danielsantini @ gmail.com

Santini

 

 

 

Ferreiro troca carro por bicicleta para economizar

Miguel é um ferreiro que, desde 2001, têm feito carretos atravessando São Paulo de bicicleta. “Desisti do carro. O preço da gasolina subiu, tem trânsito demais e não compensa”, me explicou em frente ao Memorial da América Latina, enquanto pedalávamos lado a lado na última faixa da avenida, atentos ao trânsito. Ferreiro rápido, tive que me esforçar para alcançá-lo e depois manter o mesmo ritmo que ele, mesmo com um carrinho parcialmente cheio. Quando ele entope o carreto de ferro, a carga chega a pesar dezenas de quilos.

“Dá para ir para todos os cantos. Eu vou até Santo Amaro, até o Campo Limpo, toda a cidade. Agora mesmo estou indo para Santo André”, afirmou, sorrindo tranquilo. “Essa bicicleta é mais nova, ela rende muito melhor. A outra que eu tinha era bem ruim”, completou, antes de virar à direita na Avenida Pacaembu e seguir seu caminho, desta vez pela calçada. “Um bom dia aí meu amigo, a gente se vê”, acenou.

Valeu, seu Miguel!

Leitores de todo o Brasil se solidarizam com família Bertolucci

Foto de Gonzalo Cuéllar (clique na imagem)

Não foi só em São Paulo que a morte do empresário Antonio Bertolucci, de 68 anos, atropelado de maneira brutal na manhã de segunda-feira, dia 15 de junho, provocou manifestações de solidariedade e indignação. Leitores do Outras Vias de diversas partes do Brasil deixaram nos comentários do blog mensagens de apoio à família do ciclista. “Que triste! Minha solidariedade aos familiares do Sr. Antônio Bertolucci. Nenhuma morte pode ser aceita. Não moro em São Paulo, mas aqui em Floripa enfrentamos o mesmo desrespeito. Não dá mais pra se calar…”, escreveu Mayra Caju Warren.

Foto de Gonzalo Cuéllar (clique na imagem)

Em São Paulo, no dia da tragédia, ciclistas organizaram uma manifestação pública de apoio e pedido de mais cuidado para quem dirige. Foi pintada e colocada uma Ghost Bike, uma Bicicleta Fantasma, no local do acidente. “Isso já não é apenas mais triste mas sim TRÁGICO! Pedalo no Rio de Janeiro e aqui também é assustadora a violência contra ciclistas. Meu apoio, carinho e solidariedade aos familiares do Sr. Antonio”, escreveu Cristina Amazonas.

Foto de Gonzalo Cuéllar (clique na imagem)

Em linhas gerais, os leitores deixaram mensagens exigindo respeito, atenção e cuidado por parte dos motoristas. Cobraram das autoridades a construção de ciclovias em avenidas e estrutura cicloviária adequada para a cidade e pediram menos violência no trânsito. “Triste e revoltante. Sou de Porto Alegre e mando solidariedade à família. Motoristas de ônibus deveriam ser exemplares, mas vejo muitos que andam descontrolados, sem dar a mínima pra ciclistas e pedestres. E o pior é que isso é tratado como normal. Pegaram os dados do ônibus?”, escreveu Melissa. “Sentimentos à família e todo apoio daqui de Salvador! Não aceitamos mais mortes! Não foi acidente!”, escreveu Ana Elisa.

Foto de Gonzalo Cuéllar (clique na imagem)

Todos os comentários podem ser lidos aqui. NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Enquete: é viável andar de carro em SP?

Por conta do atropelamento do Antonio Bertolucci, o Estadão publicou a enquete “é viável andar de bicicleta em SP?”. Por sugestão do Thiago Benicchio, diretor da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo e colaborador eventual do Outras Vias, este blog propõe uma outra enquete, também sobre viabilidade e trânsito em São Paulo.

Ainda sobre a triste tragédia, vale ler os textos:

Por que não foi acidente, no vádebike.org
A brancura das bicicletas, no asbicicletas
Motoristas precisam aprender a dividir o espaço com as bicicletas, na Globo
“É preciso diminuir o límite de velocidade”, na ÉpocaSp
De bicicleta, hoje foi um dia daqueles, no debicicleta
Luto pelo que acreditamos, nas Pedalinas

Não aceitamos mais nenhuma morte

Na manhã desta segunda-feira (13), Antonio Bertolucci, empresário de 68 anos, foi atropelado por um ônibus quando andava de bicicleta no acesso à Avenida Sumaré, em frente à Praça Caetano Fraccaroli, na Zona Oeste de São Paulo. A família está arrasada e pede para que quem pedala na cidade se mobilize para evitar que tragédias como esta se repitam. Uma manifestação de indignação e solidariedade foi marcada para hoje, às 19h, no local do acidente.

NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Bertolucci era um ciclista experiente e apaixonado por bicicletas, segundo a família contou para a Aline Cavalcante, amiga querida que foi até o 14º Distrito Policial, onde o caso foi encaminhado, para prestar solidariedade. O motorista do ônibus alega que ele estava em um ponto-cego. O impacto foi tão violento que, mesmo tendo sido encaminhado para o Hospital das Clínicas, do lado de onde a tragédia aconteceu ele morreu. Tivesse respeitado a distância mínima de 1,5 metros, que deve ser observada ao ultrapassar ciclistas segundo o Código Brasileiro de Trânsito, talvez o motorista tivesse conseguido desviar. Tivesse diminuído a velocidade ao visualizar Bertolucci, talvez o motorista tivesse conseguido evitar o luto de mais uma família.

NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Chega. É hora de São Paulo mudar de uma vez. O sistema de transporte baseado em loucas avenidas com gente acelerando para todo canto não funciona; é lento, congestiona, poluí e mata a cidade. Queremos mudanças e queremos mudanças já. Queremos cidades com sistemas de transporte coletivo eficientes, calçadas largas, ciclovias, rotas com trânsito compartilhado, sinalização e velocidade reduzida. Queremos mais espaço para bicicletas e pessoas, e menos para quem gosta de brincar de corrida. Exigimos respeito.

NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Bicicletas em São Paulo são realidade e merecem atenção do poder público. É preciso oficializar as ciclo-rotas da cidade, é preciso sinalizar e orientar os motoristas quanto ao compartilhamento de vias e à necessidade de cuidado e respeito com os veículos menores. É preciso punir quem não respeitar a distância de 1,5 metros ao ultrapassar ciclistas (ou esperar para fazer uma ultrapassagem segura, quando é o caso). É preciso acabar com a imprudência de quem dirige máquinas de toneladas e age como se a pressa valesse mais do que a vida.

NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Solidariedade com a família.

Leia também (links sendo adicionados ao longo do dia):
página wiki sobre o acidente, na bicicletada.org
luto, no PsCycle
ciclista morre atropelado, no Estadão
chega de mortes, no vádebike.org
presidente do conselho da Lorenzetti morre atropelado, na Folha
apaixonado por bicicletas, ciclista fazia o mesmo trajeto a décadas, no Estadão

 

Prefeitos que pedalam e a C40

De camiseta vermelha, Sam Adams, prefeito de Portland (EUA), com os ciclistas que o acompanharam em São Paulo. Foto: João Lacerda / Transporte Ativo

Na semana passada, prefeitos e autoridades municipais das principais cidades do planeta se reuniram em São Paulo para discutir como reduzir emissões de carbono e lidar com as mudanças climáticas em curso no planeta. Durante o encontro, chamado de C40, soluções de mobilidade urbana foram discutidas e as autoridades brasileiras tiveram chance de entrar em contato com diversas experiências inovadoras para reduzir congestionamentos e melhorar a eficiência dos sistemas de locomoção (leia-se transportar mais gente gastando menos energia/combustível).

A principal recomendação, como não poderia deixar de ser, foi priorizar o transporte coletivo em detrimento do transporte individual. Mais ônibus, metrôs, bondes e trens nas ruas, menos carros. Uma fórmula fácil para reduzir a quantidade de veículos circulando e de fumaça no ar. Concretizar tal mudança e, junto a isso, ampliar a integração entre modais, é o passo decisivo para a construção de cidades mais humanas. Isso significa priorizar e facilitar a circulação de pedestres, criar bicicletários próximos a terminais de transporte e outros pontos com grande fluxo de pessoas e criar redes cicloviárias adequadas – que são compostas não só por ciclovias, mas também por rotas de trânsito compartilhado com sinalização e velocidade máxima reduzida.

O prefeito de Copenhague Frank Jensen, que aproveitou uma folga para tentar pedalar em São Paulo (veja reportagem na TV Globo), escreveu no Facebook que, durante um jantar com o prefeito de Nova Iorque Michael Bloomberg e o diretor do Banco Mundial Robert Zoellick, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton ficou o tempo inteiro repetindo: “façam como Copenhague”. A cidade é justamente onde foi implementado de maneira mais radical o modelo de humanização de cidades pensado pelo arquiteto Jan Gehl, que acabou inspirando o genial projeto Cidade para Pessoas, da jornalista Natália Garcia e serve de base para mudanças em curso em algumas das principais capitais do planeta. O fechamento da Times Square em Nova Iorque, por exemplo, foi uma das intervenções propostas pela equipe de Gehl em parceria com a secretaria de Transportes da cidade (leia o que saiu a respeito no ((o)) eco Cidades – parte 1 e parte 2).

O secretário do Verde e Meio Ambiente Eduardo Jorge e o prefeito de Portland Sam Adams em frente à prefeitura de São Paulo. Foto: Rene Fernandes - @renejrfernandes

Tá na moda?
Ele não foi o único prefeito a pedalar. O de Portland Sam Adams aceitou um convite da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) e, em vez de ficar enfurnado em um hotel de luxo na zona sul da cidade, se animou em pedalar pela região central (veja reportagem na TV Record). Nas principais capitais do planeta, promover a reapropriação do espaço público por meio do incentivo ao uso bicicleta é cada vez mais uma tendência da qual os prefeitos de orgulham. Boris Johnson, o de Londres, outra capital onde mudanças que está se adaptando totalmente às bicicletas, não compareceu na C40, mas postou uma foto na semana passada em uma fábrica de bicicletas.

Por aqui, o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab começa a surfar (ou pedalar) também nesta onda. Quebrando a tradição dos políticos da cidade, que sempre estufavam o peito para falar de pontes e avenidas monstruosas deixadas como “legado”, o atual governante já fala em deixar “ciclovias permanentes”:

“Vamos avaliar a implementação da ciclovia permanente na cidade de São Paulo. É um legado que quero deixar para as próximas gestões.” Gilberto Kassab, no Jornal da Tarde

Os prefeitos começam a pedalar e as cidades começam a mudar. Mesmo que o carro do governador ainda não dê preferência para pedestres, como noticiou hoje o G1.

Anjos de bicicleta, carona solidária e outras ideias para prevenção de congestionamentos

Marcos Bicalho, Fernando Doria de Bellis, Soninha Francine, Eduardo Jorge e João Paulo Amaral debatem mobilidade urbana em evento sobre sustentabilidade em São Paulo

Você já ouviu falar em Bike Anjo? E já pensou em levar no seu carro alguém que você não conhece, mas que trabalha na mesma empresa que você e mora perto da sua casa? Você já imaginou se na sua cidade os ônibus custassem a metade do preço ou até menos do que custam hoje? Estas são algumas das ideias sobre como melhorar o trânsido das cidades que foram debatidas na noite de segunda-feira, dia 30, na Zona Oeste de São Paulo. No painel Mobilidade Urbana, um dos muitos da II Semana da Sustentabilidade da Livraria Cultura, quatro especialistas de diferentes áreas apresentaram e discutiram ideias interessantes para prevenção de congestionamentos.

Com a mediação de Soninha Francine, participaram da conversa o secretário municipal do Verde e Meio Ambiente Eduardo Jorge, o organizador do projeto Carona Brasil Fernando Doria De Bellis, o bike anjo e consultor ambiental João Paulo Amaral, e o superintendente da Associação Nacional dos Transportes Públicos Marcos Bicalho. Este último, ao final do evento, resumiu a qualidade do debate e a dificuldade em levar adiante projetos: “Temos unanimidade em diversos pontos e as soluções existem. O problema é que, na hora de serem votadas, os vereadores e legisladores não as aprovam”, ressaltou, apontando que tal resistência se dá devido à existência de um “judiciário conservador” e uma imprensa que, em termos gerais, não consegue analisar os problemas com profundidade e estabelecer as relações por trás da crise de mobilidade em curso.

Com o intuito de colaborar na busca de soluções de congestionamentos e melhoria coletiva da qualidade de vida nas cidades, o Outras Vias apresenta uma seleção das principais propostas apresentadas.

Bike anjo – Projeto tocado de maneira voluntária por ciclistas que se dispõe a ajudar novatos para aumentar o número de bicicletas nas ruas. Os anjos de bicicletas dão dicas de segurança, orientam quanto aos melhores caminhos e ajudam a traçar rotas evitando avenidas ou trechos com mais dificuldade. O João Paulo Amaral, que apresentou o conceito durante as discussões, é também integrante do coletivo Ecologia Urbana, além de trabalhar como consultor em projetos de sustentabilidade e mobilidade e ser um dos responsáveis por organizar o Ação Pegada Berrini pela Green Mobility. A iniciativa tem se multiplicado e, além dos bike anjos de São Paulo, já existem os bici anjos de Porto Alegre, e os de Pernambuco.

Para ver imagens de um bike anjo em ação e entender melhor como o projeto funciona, assista à reportagem “Bike anjos ajudam a diminuir o trânsito e a poluição de São Paulo”, do Bom Dia Brasil, da TV Globo.

Caronas solidárias – Surgem no Brasil diversos programas para incentivar a prática de caronas e ampliar a segurança dos adeptos desta forma de viagem. No evento, o organizador de um destes projetos, o Carona Brasil, Fernando Doria De Bellis, contou sobre a receptividade que a ideia tem tido em diversas empresas, defendeu o potencial de reduzir o número de carros em circulação aumentando o número de passageiros por veículos, e explicou como a tecnologia tem ajudado a colocar em contato pessoas que moram próximas e tem destinos parecidos. Em diversas cidades do planeta há programas para incentivar a solidariedade entre os motoristas. Entre as medidas que tiveram resultados positivos estão a criação de faixas preferenciais para carros com mais de um ocupante. Tem gente muito boa por aqui defendendo este tipo de iniciativa. O antropólogo Roberto da Matta, por exemplo, é favorável à criação deste tipo de faixas na Ponte Rio-Niterói (leia entrevista recente que fiz com ele para o jornal Folha Universal).

Redução de tarifas para o transporte coletivo – Aumentar o número de bicicletas nas ruas e incentivar a carona pode ajudar a reduzir o número de carros em circulação, mas nenhuma medida é mais importante do que tornar mais acessível o transporte coletivo nas grandes cidades. Durante a palestra, o superintendente da Associação Nacional dos Transportes Públicos Marcos Bicalho defendeu uma redução radical no preço das tarifas, citou exemplo de outras cidades do mundo e ressaltou os benefícios para todos de substituir um sistema baseado no transporte individual por um baseado no transporte coletivo.  Reclamou da falta de vontade política para tais mudanças e lembrou que, apesar dos investimentos normalmente serem direcionados principalmente para ampliação e manutenção da infraestrutura para carros (os “grandes vilões”, nas suas palavras), a maioria da população se desloca de outras maneiras – fato já destacado neste blog. Aliás, Bicalho não é o primeiro a defender a ideia de reduzir radicalmente as tarifas e o Outras Vias já resumiu anteriormente também propostas até de reduzir a tarifa para zero. Bicalho, por fim, defendeu a integração de diferentes modais, os bicicletários em terminais, e “um olhar mais intenso e radical para os pedestres”, tendo como base a Década de Ação pela Segurança no Trânsito.

Cidades para pedestres – A priorização e melhoria das condições para quem caminha nas cidades foi outro consenso entre os participantes. Apoiado na recente campanha de respeito para os pedestres da pasta municipal de Transportes de São Paulo, o secretário municipal de Verde e Meio Ambiente Eduardo Jorge defendeu medidas como a redução da velocidade máxima nas vias, lembrando que só de alterar o limite de 80 km/h para 70 km/h o número de acidentes na Avenida 23 de Maio, uma das principais da cidade, caiu 27%. O secretário destacou a preocupação em melhorar a qualidade do ar, defendeu a busca por novas tecnologias de combustível para frota e a criação de novos mecanismos para desestimular o uso do transporte individual, como o polêmico pedágio urbano. Ao tocar neste ponto, lamentou o que avalia como resistência à proposta por parte da própria população que seria beneficiada. Pedágio urbano, aliás, é um tema tão complexo e polêmico que vale um texto inteiro a respeito. Em breve.

O tempo em minha bicicleta

Durante a viagem que fiz em março para o Irã conheci o Takeshi Tomita, um médico cirurgião japonês que, entre kebabs e muito dugh (bebida típica sem álcool de iogurte salgado), se tornou um grande amigo. Ele estava fazendo um giro pela região, mas teve que interromper sua viagem e voltar para o Japão e ajudar no atendimento das vítimas do desastre nuclear. Continuamos em contato pela internet e outro dia ele me escreveu entusiasmado, contando que havia ido para o trabalho de bicicleta. Ele escreveu a respeito para o Outras Vias:

“Conforme o tempo passa, conforme fui ficando mais velho, troquei a bicicleta como meu principal meio de transporte por um carro. Hoje, trabalho em Tóquio, uma das cidades ‘mais ocupadas e rápidas’ do mundo, e sou médico, uma das profissões ‘mais corridas’ de todas. Minha filosofia de vida tem sido ‘tempo é dinheiro’. Isso quer dizer que o tempo é tão importante quanto dinheiro, então não devemos desperdiça-lo, como vocês sabem.

Conheci um brasileiro chamado Daniel no Irã, quando eu fazia uma viagem pela Índia, Paquistão, Irã e Turquia. Nós viajamos juntos no Irã e na Turquia por mais de uma semana e viramos bons amigos, apesar de eu não ter certeza se ele me considera um bom amigo.

De qualquer forma, ele é um rapaz muito legal e ama tanto bicicletas que até acho que ele as prefere a uma garota. E se tem algo que me deixou cansado durante a viagem é que ele sempre me dizia para parar de dirigir um carro e ir para o trabalho de bicicleta. Durante a viagem, ouvi demais essa sugestão.

Alguns dias passaram, eu voltei para o Japão e para o meu trabalho de médico novamente. Então, minha vida voltou a ser comum, ocupada e rápida.

Até que um dia em Tóquio eu acordei uma hora mais cedo que o comum. Não sei por que fiz isso, mas fui pedalando até o hospital. No caminho, descobri uma escola com crianças falando, sorrindo e dando risadas com prazer. Elas pareciam muito felizes e a felicidade e paz na cara delas me fizeram feliz também. E eu passei também um velho e lindo templo japonês.

Descobri que o caminho é silencioso e com bastante verde, e que o ar é limpo. Mesmo sendo o mesmo caminho que eu faço de carro, isso tudo foi novidade para mim.

No caminho para o hospital de bicicleta eu me senti maravilhoso e feliz. Consegui tempo para pensar em muitas coisas também.

Hoje minha filosofia ainda é ‘tempo é dinheiro’. Mas isso significa agora que o tempo é tão importante quanto dinheiro, então devo aproveitá-lo devagar, como quando pedalo minha bicicleta.”

Takeshi Tomita
Médico cirurgião cardiáco
Tóquio – Japão

Uma foto do velho e lindo templo japonês:

Convivência nas ruas, arma contra preconceito

Mulheres observam grafite em pedaço remanescente do Muro de Berlim, na Alemanha

Entrevistei na semana retrasada a professora Zilda Márcia Grícoli Iokoi, historiadora envolvida com o Laboratório de Estudos da Intolerância (LEI) da Universidade de São Paulo (USP), uma pesquisadora acadêmica de destaque no combate a crimes raciais e em estudos sobre ódios. Foi bom falar com ela e aprofundar algumas ideias; a professora Zilda é de uma linha que tenta entender relações e foge de imagens simples. Não, o nazismo não foi autoria de apenas um alemão com bigodinho ridículo, mas sim uma construção coletiva complexa e de bases sólidas da qual ainda não estamos totalmente livres. Intolerância não é algo simples, e, por isso, não é simples de ser entendida e combatida.

Conversávamos sobre o agravamento do preconceito contra os bolivianos que migraram para São Paulo, tema de reportagem que sai no próximo domingo no jornal Folha Universal, para onde escrevo também, quando ela começou a falar sobre um processo de isolamento social em curso em São Paulo, que envolve também o trânsito e a maneira como nos deslocamos.

“As pessoas vivem em guetos. Cada um no seu bloco residencial, no seu condomínio fechado, em escolas privadas, em automóveis sozinhos. As pessoas não vivem mais em ambientes coletivos, nunca. Tenho alunos na USP que nunca viram o Centro da cidade”, Zilda Márcia Grícoli Iokoi.

O problema é que, me explicou gentilmente a professora especialista em intolerância, quando você passa a conviver somente com iguais, com pessoas que tem a mesma renda e o mesmo conjunto de valores, deixa de haver o diálogo com o diferente. Este contato é o que ajuda a perceber o outro, a entender, aceitar e respeitar. Sem tal conexão, surge espaço para a criação e fortalecimento de estereótipos. Ideias toscas, rasas, generalizantes e perigosas; como a de que os bolivianos são “sujos” ou que moradores de rua são “vagabundos que não gostam de trabalhar”. Ou que quem protesta nas ruas e não se conforma com absurdos rotineiros é “desocupado e baderneiro”. Ideias que servem de base para o preconceito e para ações de ódio.

“As pessoas se isolaram por conta do medo da violência e não perceberam que esse isolamento se transformou em intolerância. Não convivem com nada e nem com ninguém. Não há diálogo, não há discussão. Surge o preconceito”, Zilda Márcia Grícoli Iokoi.

Intolerância e medo
Impossível não pensar nas considerações da professora Zilda ao ler no UOL que “após pressão de moradores, empresários e comerciantes de Higienópolis, bairro de alto padrão no centro da capital, o governo de São Paulo desistiu de uma estação do Metrô na avenida Angélica, a principal do bairro”. E que entre as alegações da Associação Defenda Higienópolis estava de que a criação de uma nova estação aumentaria o “número de ocorrências indesejáveis” e faria da área “um camelódromo”. Foram 3.500 assinaturas para derrubar o projeto de ligação da Brasilândia, na Zona Norte, com a área central.

O Felipe Gil, um bom amigo que também é jornalista e costuma tomar um cuidado bastante apropriado com números, lembra que, por dia, a estação Vila das Belezas*, a menos movimentada de toda a rede, recebe 6 mil passageiros. E aí?

Leia também:
– São Paulo, segregação urbana e desigualdade, texto acadêmico de Flávio Villaça no Dossiê São Paulo, Hoje, da revista de Estudos Avançados
– Droga de elite, análise de Fernando Canzian na Folha

* atualizado às 18h21; informei incorretamente que era a estação Paraíso a menos movimentada da rede. É a Vila das Belezas.

Percepções distorcidas e a realidade no trânsito

Foto do Espaço Kids da Fundação Volkswagen, uma das atrações para crianças no Salão do Automóvel. Entre as atrações para a “garotada” no evento está um simulador da Citröen para tirar rachas a até 340 km/h (clique na imagem para mais informações)

“É preciso procurar discernir o que é desejo e o que é necessidade. Há uma poluição de informações que recebemos diariamente. Temos mais de duas mil publicidades por dia que chegam no nosso cérebro incentivando a consumir. São cartazes, placas, anúncios, revistas. É um apelo muito forte”, Diogenes Donizete, técnico da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-SP), em entrevista ao ator sobre compras de Natal em dezembro de 2010

A publicidade utiliza estratégias sofisticadas de psicologia para transmitir ideias, criar sensações e convencer. Em setores econômicos que movimentam milhões e dependem de altos índices de consumo, as empresas atuam isoladamente ou em conjunto para manter as vendas em alta, muitas vezes sublimando e até distorcendo a realidade, ou adaptando e criando novos valores culturais e sociais.

Leia o artigo da psicóloga Maria Rita Kehl sobre fetichismo e perversões no blog da Boitempo

A desinformação se completa pela preguiça, má vontade ou cinismo de boa parte da imprensa, que reproduz releases de maneira passiva e repete estereótipos e lugares comuns sem reflexão. É por isso que a quantidade absurda de acidentes de trânsito que acontece a cada feriado, com número de mortes equivalente à queda de um avião de grande porte, não ganha o destaque necessário. É por isso que adotamos sistemas estúpidos em que há desperdício de energia e recursos, além do comprometimento de milhares de vidas. É por falta de informação técnica de qualidade, jornalismo e discussão que o transporte de carga é prioritariamente rodoviário e não ferroviário no Brasil, só para citar um exemplo do que poderia ser mudado.

Percepções reais
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou nesta semana a segunda parte do estudo (PDF no GoogleDocs) feito sobre Mobilidade Urbana, parte da série de pesquisas para a construção de um Sistema de Indicadores de Percepção Social sobre diversos temas. A intenção do trabalho é quantificar e avaliar as percepções da população, de modo a ajudar na construção de políticas públicas e na resolução dos problemas que afetam a vida das pessoas. É um mecanismo democrático de ampliar a possibilidade de participação coletiva e melhor embasar decisões administrativas.

Na primeira parte do estudo os técnicos apontaram que, apesar de os investimentos públicos serem concentrados na ampliação e melhoria da infraestrutura necessária para o transporte motorizado individual, tais como gastos milionários em obras para construção de pontes e túneis e alargamento de avenidas, a maioria da população usa transporte público, bicicletas ou caminha. Desta vez, o destaque foi para a sensação (ao que tudo indica) exagerada de segurança de quem dirige.

Motoristas e passageiros de carro sentem-se mais seguros do que os passageiros de transporte público em relação a acidentes e assaltos sempre, mesmo quando já tiveram experiências negativas. Entre os que já sofreram acidentes em carros, 78% sempre ou na maioria das vezes se sente seguro. Entre os que já sofreram acidentes em ônibus, está índice cai para 40%. Entre os que já sofreram assaltos em carros, 81% sempre ou na maioria das vezes se sente seguro. Entre os passageiros de ônibus assaltados, o índice de novo despenca: 38%.

Andar de carro é mesmo tão mais seguro assim? O senso-comum se confirma? Será que temos outros fatores influenciando na construção do imaginário coletivo de que carros são mais seguros? O Ipea conclui o estudo defendendo que é preciso questionar e investigar mais a questão, reunindo dados técnicos e objetivos e ampliando o acesso à informação.

“A população precisa ser esclarecida quanto às características de cada modo de transporte em suas respectivas cidades. Além de ter direito a escolha do meio de transporte que quiser utilizar, a população tem que ter acesso à informação para poder realizar esta escolha dentro dos critérios que considerar mais relevante. Quais as vantagens e desvantagens de cada modo? Qual deles é o mais rápido para o trajeto e destino desejado? Qual é o mais barato (incluindo todos os gastos a eles vinculados? Quem paga por estes gastos? Será que o serviço está mesmo indisponível ou não se tem acesso à informação sobre ele? Apesar da sensação de segurança constatada pelo usuário do transporte individual, utilizar o automóvel é de fato mais
seguro?”, trecho da conclusão do estudo do Ipea

Pressa e transporte coletivo
Além de questionar a sensação de segurança no trânsito, a pesquisa do Ipea trás também informações interessantes para qualquer um que tenha interesse em discutir ou pensar sobre sistemas coletivos de mobilidade pública. Um dos elementos a ser considerado é que a pressa é um dos fatores decisivos na escolha do modal.

Velocidade é necessidade básica para todo mundo. Há também outros pontos a serem considerados:

“Os motivos mais indicados pelos pedestres para terem optado por andar a pé são a saúde e a rapidez. Eles afirmam predominantemente que passariam a usar o Transporte Público se ele estivesse disponível, fosse mais barato e também mais rápido; estas duas últimas características para o pedestre são necessárias para se ter um bom transporte. As outras pessoas que se utilizam do transporte não-motorizado (os ciclistas) escolhem a bicicleta pelos mesmos motivos que o pedestre opta por andar a pé (saúde e rapidez), mas também ressaltam o motivo do baixo custo. Assim como para os pedestres, a saúde deixa de ser observada como principal condição para os ciclistas migrarem para o Transporte Público, sendo substituída pela disponibilidade. Além do preço e rapidez, eles ressaltam o conforto (um pouco mais do que os pedestres destacam) como sendo característica de um bom transporte. O conforto é captado como uma das principais condições de migração modal apenas nos usuários de carro, mas aparece como característica de bom transporte para ambos, junto com a rapidez e o conforto”, trecho da pesquisa do Ipea.

Transporte público
Outro ponto a ser considerado é que a ideia de que transporte público é sempre lento ineficiente nem sempre se justifica. O Ipea defende a construção de novos indicadores e a divulgação ampla de informações objetivas para ajudar a corrigir distorções na percepção sobre o tema:

“Ainda que predomine em todos os outros respondentes a indicação de maior rapidez como uma das condições necessárias para que passem a usar o Transporte Público, os usuários do Transporte Público indicam a rapidez como uma das características que os fizeram usar esse meio de transporte. Nota-se, portanto, que a percepção sobre o Transporte Público por aqueles que não são usuários pode ser bastante distinta ou mesmo oposta daque les que o utilizam. Essa é uma constatação fundamental para a atuação pública e necessita dos devidos aprofundamentos para esclarecer a população, sem deixar de manter os esforços na constante melhoria do sistema de transporte público. Nesse sentido estudos que demonstrem velocidades médias urbanas por meio de transporte serviriam para corrigir ou ratificar a impressão que as pessoas têm sobre a rapidez e a eficiência do uso do automóvel em detrimento do Transporte Público, por exemplo.”

Soluções
Por fim, como não poderia deixar de ser, o instituto recomenda investimento em sistemas de transporte coletivo e redução de tarifas como solução para mobilidade urbana:

Percebeu-se uma preocupação geral com a rapidez, o preço e disponibilidade do transporte. Todas elas tendem a justificar investimentos em corredores de ônibus e metrôs aliados a políticas tarifárias que permitam ampliar o número de usuários de TP num cenário em que se reduz o tempo de viagem ao mesmo tempo em que são incluídas mais pessoas no sistema.

P.S. – Dessa vez, quem encaminhou o estudo foi o Gustavo Faleiros, editor do portal ((o)) eco e o Ardilhes Moreira, amigos atentos. A ideia de destacar a diferença entre percepção e realidade veio de uma discussão sobre poluição e saúde no twitter. Quem você acha que sofre mais com os efeitos da fumaça? Quem dirige ou pedala? Vale conferir os links neste texto sobre o assunto do blog Vádebike.org para pensar a questão.


Os autores

Daniel Santini é jornalista, tem 31 anos e pedala uma bicicleta vermelha em São Paulo. Também colaboram no blog Gisele Brito e Thiago Benicchio.

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Dica de leitura

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