Archive for the 'viagem' Category

Copenhague e o Cidades para Pessoas

Saiu a primeira reportagem do projeto Cidade para Pessoas, da jornalista Natália Garcia. Em busca de informações sobre experiências bem sucedidadas de sistemas de transporte e organização espacial, ela viajou para conhecer algumas das cidades com planejamento urbano mais avançado do mundo.

A primeira parada, não por acaso, foi Copenhague, definida pela Natália como a cidade das bicicletas. É lá que começou o trabalho do arquiteto Jan Gehl, um urbanista que teve a ousadia de propor a prioridade para pessoas e não automóveis na configuração do meio urbano. É daí que vem o nome do projeto. A viagem está só começando, mas já rendeu uma primeira reportagem bem completa, com fotos, texto, infográficos e este vídeo, reproduzido abaixo com autorização da moça.

Aliás, o Cidade para Pessoas, assim como o Outras Vias, é todo em Creative Commons e todo conteúdo encontrado nas páginas pode ser distribuído por aí. Pode não, deve.

=)

Cicloturismo na Serra da Canastra

Caminho repleto de cachoeiras

Durante a Páscoa, viajei com mais cinco amigos para o Parque Nacional da Serra da Canastra, uma reserva montanhosa e quente repleta de cachoeiras fantásticas. Ajeitamos barracas e sacos de dormir nos bagageiros das bicicletas, compramos frutas no mercadinho de São Roque de Minas, um queijo “canastra”, goiabada, frutas secas, castanhas e sementes, e partimos para explorar a região. As subidas e descidas são constantes e repletas de pedras – o que torna necessário levar câmaras de ar reserva, ter peças básicas e saber pelo menos um básico de manutenção para eventuais problemas técnicos. Aliás, as subidas constantes e intermináveis, muitas vezes repletas de pedras (que rolam para trás enquanto você fica no mesmo lugar pedalando), exigem bom preparo físico. Mesmo para quem está bem condicionado, aliás, alguns passeios podem demorar mais do que o previsto, o que torna recomendável deixar uma boa lanterna presa no guidão. Roupa de banho, roupas extras leves e uma blusa para noite completam a bagagem necessária. Ao traçar o roteiro vale considerar que não é permitido acampar dentro do parque – nas cercanias, há pousadinhas e casas de moradores simpáticos, uma boa oportunidade de saborear a deliciosa comida mineira e a fantástica hospitalidade local. Em vez de escrever mais, compartilho fotos do passeio. Quem precisar de mais detalhes, tiver dúvidas ou for fazer uma viagem parecida, pode deixar comentários para a troca informações.

Seis amigos em uma das entradas da Canastra

Depois das subidas intermináveis, as vistas são fantásticas

Bastante água é essencial para enfrentar travessias secas e áridas

Uma das bicicletas, com alforges, saco de dormir e um isolante térmico

Cachoeira Capão Forro

Muuuuuuuuuuu

Descida cheia de pedras escorregadias

Subida chata

Lama, buraco e pedrinhas (rock´n roll!)

Pedrinhas na curva!

Nas subidas, a mesma coisa

Nascente do Rio São Francisco

Horizonte incrível

Decidindo caminhos...

Que visual!

Começo da trilha mais difícil: ladeira de pedras!

Rock´n roll!

Caminho íngrime e escorregadio...

... que termina nessa trilha. Como assim que trilha?

Poço na pousada do seu Rafael, na parte baixa, fora do Parque

Em alguns trechos, é preciso levar a bike nas costas

Cachoeira Casca d´anta!

Mais subida

Mais subida com sol

Pausa para respirar

Levantou poeira

Trânsito padrão Teerã *

Hoje, segunda-feira, 4 de abril de 2011, a Companhia de Engenharia de Trânsito de São Paulo registrou 157 km de congestionamentos na cidade, o pior índice durante o período da manhã no ano. O colapso do trânsito paulistano não acontece por acaso; é resultado de uma combinação de políticas públicas desastradas em diferentes esferas de governo, que incluem a ampliação e construção de avenidas, túneis e viadutos (medidas municipais e estaduais), e a redução de impostos para compra de automóveis (medida federal). A situação é sufocante, mas pode ficar muito pior se não for revista a lógica de priorizar o transporte individual em detrimento do coletivo, com as autoridades apostando na construção da infraestrutura para carros circularem em vez de na melhoria e ampliação dos sistemas de transporte público.

Tomemos como exemplo o Irã.

Carros, carros e mais carros. Cena comum em Teerã, capital do Irã.

Assim como São Paulo e outras metrópoles, Teerã, a capital econômica e política do Irã, sofreu com a explosão populacional relacionada ao veloz processo de urbanização mundial das últimas décadas. A cidade cresceu rapidamente e, para tentar garantir a circulação de uma população que já ultrapassa 13 milhões, as autoridades investiram e seguem investindo na construção e ampliação de largas avenidas por todos os cantos. Aliado aos subsídios para a compra de combustível, tal planejamento urbano tem tido resultados desastrosos. A priorização radical para a circulação de automóveis criou uma cidade em que, na disputa caótica por espaço, impera a lei do mais forte, mais rápido ou mais agressivo. Pedestres são incentivados a recuar ameaçados por buzinadas e aceleradas constantes. Os cruzamentos são campos de batalha em uma lógica difícil de entender.

Dá medo atravessar a rua em Teerã.

Se circular na cidade é um desafio, respirar também não é algo tão simples.

Poluição deixa tudo com um tom amarelado

A poluição chega a níveis tão críticos que o governo eventualmente decreta feriado só para tentar reduzir o número de carros circulando. É comum ver pessoas com máscaras nas ruas. O céu é cinza, o ar deixa tudo com um tom amarelado.

Isso para não falar dos acidentes de trânsito. Em 2o dias no país presenciei seis deles, a maioria batidas leves, mas alguns mais sérios. E conheci um escocês que em um passeio foi atropelado e quebrou as duas pernas. Aliás, entre os iranianos não são poucos os que têm histórias de acidentes violentos para contar.

E tal padrão de mobilidade vai sendo reproduzido em todo o país. Mesmo em cidades históricas, que foram importantes centros do Império Persa, as avenidas ganham espaço e os cruzamentos malucos se repetem. Shiraz, por exemplo:

Dá para ser diferente. Os amigos que fiz na viagem, que estão entre as pessoas mais simpáticas e hospitaleiras que já conheci, merecem um dia viver em cidades que seguem padrões diferentes do de Teerã. A gente aqui no Brasil também.

* Após um mês circulando pelo Irã e pela Turquia, reassumo o Outras Vias hoje. Agradeço o Thiago Benicchio, que aproveitou o espaço para ampliar o debate sobre bicicletas durante o mês de março, tendo publicado um dos textos mais importantes e não por acaso o mais lido desde que o blog começou – sobre o atropelamento em Porto Alegre. Aliás, tocante a mobilização e a solidariedade entre as Bicicletadas de diferentes cidades nas semanas seguintes. Dá gosto de fazer parte de uma rede de pessoas tão legais. O Benicchio, assim como a Gisele Brito, que cuidou do Outras Vias em novembro, permanece convidado como colaborador eventual do blog e do portal O Eco também. Para facilitar consultas ao trabalho que ambos desenvolveram no Outras Vias, agora tem um botão aí do lado em que dá para ler os textos por autores. Hoje e nos próximos dias, divido com vocês algumas experiências sobre os países que visitei, em especial o Irã, enquanto a equipe de O Eco prepara  novidades para o portal.

Daniel Santini

Pasárgada e outras utopias

Foto: Paula Aftimus (clique na imagem)

Vou me embora para Pasárgada. Mesmo. No domingo embarco em uma viagem de um mês pela Turquia e pelo Irã e devo ter a chance de visitar as ruínas do que sobrou da cidade que, durante o reinado de Ciro II, o Grande, chegou a ser a capital do Império Persa.

Pasárgada não existe mais, na verdade. Depois que a capital foi transferida para a vizinha Persépolis, a cidade foi gradualmente destruída ao longo dos séculos; hoje restam apenas alguns monumentos como a tumba do próprio Ciro. O sítio arqueológico é considerado patrimônio histórico pela Unesco (texto a respeito em inglês).

Quando Manoel Bandeira escreveu o seu poema Pasárgada, ele não se referiu a uma cidade real, mas a uma utopia. Criou a cidade em que poderia andar de bicicleta, deitar na beira do rio e ter a mulher dos seus sonhos.

As ruínas da Pasárgada real me interessam, assim observar de perto a região que concentra alguns dos principais recursos naturais do planeta. O Irã é rico em gás natural, combustível suficiente para não só manter a Europa aquecida em dias cada vez mais frios em função da variação climática, como também para impulsionar a explosão populacional de vizinhos gigantes como Índia, Rússia e China. Olha o mapa.

O Irã fica bem no centro entre a Europa e todos esses países que citei. Será protagonista das principais disputas geopolíticas da próxima década. Não é à toa que os Estados Unidos garantiram a presença na região invadindo o Iraque e o Afeganistão. Não é à toa que o país sofre pressão internacional constante.

Mas este texto não é para falar do Irã ou de combustível, apesar de o que acontece na região ter sim tudo a ver com este espaço aberto para o debate de mobilidade. Faremos isso em abril, quando eu voltar.

Por hora, dá para tentar acompanhar relatos e notícias no Por Este Mundo, o tumblr criado pelo meu parceiro de viagem Mateus Alves. Ou, se sua curiosidade ficou atiçada, dá para ler a genial sequência Sombras Persas (começa aqui), indicada pela Verônica Mambrini, que, apesar de ser de 2006, é bastante atual. E, por fim, dar uma espiada no trabalho do Caio Vilela, jornalista que viaja o mundo contando histórias fascinantes. Tem vários textos dele sobre o Irã.

Construção de caminhos
Queria mesmo falar de utopias.

O Outras Vias entra em uma fase nova em abril. Além de uma reforma gráfica, na qual a equipe de O Eco já trabalha, o blog deve ser, cada vez mais, um espaço plural, aberto para mais vozes, opiniões contrárias, troca de ideias e debate.

Sempre tendo em vista o objetivo de facilitar o diálogo e incentivar a reflexão sobre a maneira como nos locomovemos nas cidades, a ideia é convidar mais gente para escrever e participar. Além das impressões pessoais de quem vive e enfrenta o colapso no trânsito nos principais centros urbanos, a meta é disponibilizar mais estudos, dados, comparações, informação.

Justamente por ter a intenção de abrir o espaço para participação de outras vozes, desta vez quem assume não é a Gisele Brito, que ocupou este espaço em novembro. Ela continua por perto e voltará a escrever eventualmente para matar a saudade dos fãs que deixou, mas quem assume a bronca dessa vez é o Thiago Benicchio.

Apocalipse motorizado
Daria para escrever laudas e laudas sobre o Benicchio, a maneira como ele vive há anos sem carro no coração de uma cidade formatada para automóveis, as lutas em que ele se envolveu para tentar deixá-la mais humana e tudo mais. Poderia citar que ele teve participação decisiva na fundação e hoje encabeça a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), que tem bicicletas fantásticas e  que é referência entre os cicloativistas da cidade.

Mas o Beni é um cara discreto e provavelmente nem vai gostar muito dessas últimas linhas. Então vou deixar ele se apresentar com seus textos nas próximas semanas. Quem não gosta de esperar, pode conhecê-lo melhor dando uma olhada no Apocalipse Motorizado.

Bem vindo, Beni. Comportem-se, crianças.

A Viagem do Elefante e outras viagens

Cicloturismo na Serra do Mar, em São Paulo

Um dos argumentos principais contra a bicicleta como meio de transporte são os limites de onde se pode chegar pedalando. Em tese, o uso deste veículo estaria limitado a pequenas distâncias, servindo apenas como complemento para outros modais. Faz sentido pensar em redes de transporte combinando ônibus, metrô, trens e bikes. A diversidade é enriquecedora, não só no trânsito, aliás. E pessoas diferentes optam por diferentes maneiras de se mover. Nos transportes, as cidades deveriam ter políticas públicas que permitissem e favorecessem diversidade nos deslocamentos e não apenas um único modelo, ainda mais se ele é excludente e desequilibrado.

Entender, porém, a bicicleta como um veículo destinado apenas a pequenas distâncias é um erro. A invenção é tão genial e potencializa de tal forma a propulsão humana que, sem queimar combustível, dá perfeitamente para completar longas distâncias. Para muitos, aliás, isso já virou rotina.

É neste contexto que o cicloturismo vem ganhando força com velocidade no Brasil. É uma forma diferente de conhecer regiões variadas e interagir com seus moradores. É um jeito de viajar barato, simples e ecológico. E é divertido demais, como dá para perceber no relato de quem já foi ou está se preparando para ir. Este texto foi pensado como um ponto de partida para explorar outras quatro viagens e, quiçá, até inspirar novos passeios.

A Viagem do Elefante

O roteiro da Viagem do Elefante (clique na imagem para mais informações)

Em 6 de janeiro, Benilton Lima começa a percorrer todo o Rio Grande do Norte de bicicleta. O mapa do Estado lembra um elefante e é daí que vem o nome da aventura. No blog rapadura biker dá para acompanhar todos os preparativos e ver o que ele pretende levar.

Ele não é o único a explorar o Nordeste. O Willian Cruz, cicloativista de São Paulo, tem pedalado em Alagoas e escreveu a respeito no blog Vá de Bike:

A bicicleta é uma das melhores maneiras de se conhecer uma cidade ou região. Você passa em um ritmo onde é possível perceber detalhes, sentir o lugar, conversar com pessoas, fazer paradas onde e quando quiser para não perder nenhum momento, imagem ou pessoa importante. Ao mesmo tempo, a bicicleta permite atingir distâncias muito maiores do que se andássemos a pé. Nesse dia, pedalamos 68km e conhecemos várias cidades ao redor de Maceió. Pude ver e conhecer muito da região. Coisas que não teria visto de carro, em lugares que eu não teria visitado.
Willian Cruz

Projeto Biomas
Outro cicloativista de São Paulo na estrada é o André Pasqualini, que em meio a uma crise pessoal e existencial, mergulhou numa viagem para se encontrar. Ele traçou um projeto ambicioso, o Projeto Biomas, e partiu para visitar cinco dos principais biomas brasileiros (Pantanal, Floresta Amazônica, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica). Ele tem escrito bastante sobre a viagem e mistura reflexões pessoais com informações e dados sobre o trajeto. Aqui tem mais sobre o projeto e dá para acompanhá-lo no blog O Bicicreteiro ou pelo GPS que ele está levando.

Se você acha que precisa de um motivo como o do Pasqualini para sair pedalando, porém, saiba que o cicloturismo tanto pode ser para quem precisa pensar, como para quem quer simplesmente viajar.  O goiano Ricardo Rodrigues, o Scoob, que escreve com regularidade sobre as voltas que dá no blog Bicicletando, resumiu a experiência de pedalar por pedalar ao concluir uma viagem de Goiânia para Curitiba. De bicicleta, muitas vezes o caminho já é a viagem em si.

Desde o início eu sabia que minha viagem não era o destino, mas o caminho até o destino… O barato foi pedalar até lá, chegar lá todo mundo chega. Portanto quando eu cheguei ontem nem vibrei tanto, porque a vibração vinha comigo desde Goiania. Como previ não vivenciei epifanias de beira de estrada, nenhuma luz se revelou pra mim, nenhuma voz esclarecedora (alguns acham que eu fiz essa viagem em busca desta luz interior). Mas confesso que vivi de forma intensa estes ultimos dias, e isso é o que basta.
Ricardo Rodrigues, aqui

Volta ao mundo de bicicleta

Kei saiu do Japão em 2001 para pedalar pelo mundo

O japonês Keiichi Iwasaki saiu de casa em 2001 com o objetivo de conhecer o mundo de bicicleta. Após percorrer seu país inteiro, ele seguiu para China, passando por Hong Kong, Vietnã, Camboja, Tailândia, Malásia, Cingapura, Nepal e Índia. Subiu o Evereste, seguiu para o Irã, atravessou o Mar Cáspio em um barco com um remo (470 km em 21 dias!) e  seguiu para Turquia. Então entrou na Europa, cruzou os Bálcãs, seguiu para Europa Central, viveu na Hungria, e, seguiu desbravando o continente: Alemanha, França, Espanha, etc.

Veja o site Feel the Earth (Sinta a Terra)

Kei viaja com poucos pertences e ganha a vida fazendo apresentações de mágica em ruas movimentadas. Por que a bicicleta? “Para não poluir e não alimentar as guerras por petróleo”. Ele me explicou isso assim, tranquilo, causal, sorrindo. Conversamos na Itália, em uma rua movimentada. Kei falou dos planos de ir para a América do Sul no futuro, perguntou do Brasil, quis saber das bicicletas em São Paulo.

Ele não é o único que tem se deslocado e optado por conhecer lugares e pessoas sem comprar pacotes turísticos, sem correr desesperado por dezenas de cidades em poucos dias, sem a obrigação de conhecer e fotografar todos os pontos turísticos. Tudo bem que a viagem dele já dura quase uma década, mas, mesmo quem não planeja ficar tanto tempo assim na estrada, pode deixar a angústia de lado e viajar devagar para viver e não apenas passar por países diferentes.

No blog FelizCidadeFeliz tem um relato recente sobre os Banhos Quentes (WarmShowers), um sistema de hospedagem que tem muito a ver com as ideias deste texto. Vale ler com carinho – pode ser inspirador para quem simpatizou com a maneira como Kei vive as estradas dessa vida.

Sobre ordem e segurança

Rua de Nápoles, na Itália

Em abril de 2009, o pessoal do Transporte Humano, traduziu e reproduziu uma entrevista de Tom Vanderbilt ao site amazon.com (em português: parte I, parte II, parte III, e parte IV). Autor do livro “Traffic: Why We Drive the Way We Do” (em português: “Por que dirigimos assim?”), este escritor estadunidense aproveitou pesquisas recentes em psicologia, urbanismo e engenharia de tráfego para escrever e analisar o comportamento humano no trânsito.

Vale ler a entrevista inteira nos links acima, mas o que motivou a citação neste post é um ponto perturbador, no melhor sentido da palavra: aqui o autor questiona se o que parece seguro é realmente seguro e aponta para conclusões contra-intuitivas bem distantes do senso-comum.

Eu acho que parte da razão é que é fácil para nós confundirmos o que parece perigoso ou seguro no momento e que poderia ser, em um sentimento mais amplo, seguro ou perigoso. Temos uma visão de pára-brisa, ao dirigir, que às vezes nos cega para realidades maiores ou desvirtua a nossa percepção.

Tom Vanderbilt

Ordem no trânsito é sempre sinônimo de segurança? Avenidas bem sinalizadas, com faixas de pedestres definidas, semáforos ordenando o fluxo e placas organizando a divisão de espaço garantem sempre uma cidade mais segura para pedestres, motoristas, passageiros e ciclistas?

Pensei nisso por um bom tempo, especialmente ao viajar para cidades de países vizinhos como Peru e Bolívia em que o trânsito está longe de ser tão sistematizado como o de São Paulo. A desordem em tais localidades, porém, não é nada se comparada a do trânsito de Nápoles. São carros circulando para todos os lados, misturados com vespas, muitas dirigidas por adolescentes sem capacetes, e gente, muita gente. Neste vídeo que encontrei na rede, dá para ter uma ideia:

Passei quatro dias como pedestre na cidade, confortável em, mesmo com tanta confusão, poder atravessar a rua sem olhar direito para os lados. E um dia como motorista, em que a quantidade de variáveis me fez ficar bem mais atento, dirigir mais devagar e com mais cuidado.

É claro que, só com base em observação empírica não dá para tirar nenhuma conclusão sobre o assunto, mas a sensação é de que na desordem pode existir mais segurança na circulação do que em cidades organizadas priorizando exclusivamente o fluxo. O sistema de trânsito napolitano é menos eficiente, tudo demora mais, mas a cidade é mais humana. Nápoles é humana demais.

Se alguém souber de estudos comparativos com dados científicos e aprofundamento sobre questões relativas à ordem e segurança, favor indicar o link ou a estante. Por aqui, no Brasil, há exemplos de que nem sempre obras e sinalização resultam em mais segurança para as pessoas – apesar de normalmente resultarem em mais eficiência e velocidade.

Feriados e fim de ano
As estradas de São Paulo são um bom ponto de partida para qualquer análise. Tidas como as melhores do país, elas apresentam índices alarmantes e crescentes de acidentes e mortes. Há colisões gravíssimas mesmo entre as que têm pedágios caros e não param de se modernizar, com mais pistas, sinalização, asfalto sempre liso e sem buracos.

O número de mortes cresce ano a ano. Não é à toa que a Secretaria de Transportes do estado deixou de comparar os números absolutos de vítimas a cada feriado e passou a adotar um “índice de acidentes”, em que a quantidade de mortos e feridos é relativizada pela “extensão das rodovias, o volume diário médio de veículos (VDM) nas estradas e o período analisado” (leia a explicação oficial).

Como jornalista, já solicitei mais de uma vez os dados absolutos de anos anteriores, mas, tanto por parte da assessoria de imprensa da pasta, quanto por parte da Polícia Militar Rodoviária, há sempre a negativa e a explicação de que estes dados não são mais públicos e que a imprensa não deve(!) mais comparar dados absolutos.

Há casos em que o índice de acidentes indicava redução na média de mortos, apesar de mais gente ter morrido em um ano em relação aos anteriores.

A ordem pode permitir fluxos mais intensos e possibilitar velocidades maiores, mas será que está sempre relacionada à segurança?

Quem paga a conta?

Cena típica em Roma

Neste e nos próximos textos seguem algumas impressões sobre trânsito, bicicletas, políticas públicas de deslocamento e transporte, resultado de observações, conversas e discussões durante a viagem no último mês à Europa. Nunca tinha atravessado o Atlântico e, apesar de já ter lido e pesquisado sobre alternativas adotadas no Velho Mundo, não tinha a real dimensão do potencial de modelos completamente diferentes aos que estamos acostumados no Brasil.

E olha que não fui para Dinamarca ou Holanda, onde o processo de humanização das cidades é considerado referência. Não, viajei para Roma e parte do sul da Itália, gastando um bom tempo na Sicília, e, depois, na rota de volta do voo, consegui parar alguns dias em Paris, na França. Passei por algumas das regiões mais pobres da Bota, andei de trem, metrô, ônibus, carro e bicicleta.

Como motorista, tive que aprender uma lógica de trânsito completamente da diferente da de São Paulo. Quando um pedestre quer atravessar, ele mal olha para os carros. Simplesmente põe o pé na rua e caminha, com a certeza de que todos diminuirão a velocidade para facilitar a travessia. É algo natural. Ninguém buzina, dá farol alto ou acelera ao ver um pedestre forçando a passagem no meio do tráfico pesado.

Restrição de estacionamento em Paris

Quem dirige, não só tem que redobrar a atenção com os pedestres, como também tem que se conformar com áreas de estacionamento bastante restritas e sempre pagas. Diferentes sistemas de zoneamento forçam quem optou pelo transporte privado individual a arcar com os custos de tal escolha e pagar pelo espaço ocupado na cidade.

Você quer liberdade para se locomover com um motor? Sem problemas, mas terá que contribuir para minimizar o efeito da poluição sonora, visual e do ar. É tão óbvio e faz tanto sentido que, de volta, fica difícil acostumar de novo com calçadas apertadas e carros espalhados por todos os cantos de São Paulo.

Ou com o medo das pessoas ao atravessar ruas, mesmo em faixas de pedestres. A necessidade de correr para não atrapalhar os carros, a fuga quase desesperada dos motoristas irritados com a interrupção do fluxo, o sagrado fluxo.

No Brasil, com o espaço público todo ocupado por veículos privados, a desigualdade e a falta de empregos fazem surgirem compensações distorcidas. Flanelinhas, os “guardadores” dos carros, se multiplicam nas ruas criando um sistema paralelo de cobrança pelo uso da cidade baseado em ameaças e medo. Quem não quer ter o carro riscado ou ver cara feia, paga.

E ai do político que tentar mudar tal lógica. O desgaste público de se adotar restrições de estacionamento ou taxas para o uso privado das ruas é enorme em uma sociedade acostumada ao automóvel como única e natural opção de deslocamento.

Dá para ser diferente

Em uma inversão de valores, todos pagam para os poucos que poluem e travam as cidades terem condições de continuarem a rodar.

P.S. – Difícil retomar o OutrasVias depois do excelente trabalho da Gisele Brito nas últimas semanas. Como esperado, ela não só dividiu a experiência de ciclista iniciante, como também tocou em pontos delicados da desigualdade do trânsito na capital e contribui com um olhar da periferia da cidade. Ela segue convidada a aparecer quando quiser e tem o espaço aberto para futuras colaborações não só neste aqui como também nas outras frentes do portal O Eco.

Tempo, distanciamento e discernimento

Foto: Julia Chequer (clique na imagem)

O historiador Nicolau Sevcenko usa um conceito interessante para analisar a maneira como vivemos atualmente. Em seu livro “No loop da montanha-russa”, ele compara o ritmo e a intensidade dos dias de hoje ao loop de uma montanha-russa. Ficamos entorpecidos, relaxamos o impulso de reagir, aceitamos resignados a vertente de fatos e novidades que explodem em sequência crescente.

Na era da microeletrônica, as inovações aparecem de maneira multiplicativa, as atualizações e saltos tecnológicos são cada vez mais rápidos, tudo irresistível, imprevisível, incontrolável,  incompreensível. Só resta relaxar.

A esta passividade cega e irrefletida decorrente da aceleração das transformações tecnológicas, Sevcenko chama de “síndrome do loop”. Aprendi o conceito em um seminário apresentado por Valeria Bursztein, durante o curso de pós-graduação em jornalismo internacional da Pontifícia Universidade Católica (PUC).

Presente, passado, futuro
É necessário buscar três momentos para recuperar a crítica e resistir ao impulso de ficar parado sem fazer nada vendo o mundo passar cada vez mais rápido. São eles presente, passado e futuro. Primeiro, é preciso se distanciar do ritmo das mudanças. Sair do agora e urgente para conseguir ver com clareza, refletir com discernimento crítico.

Depois, é preciso recorrer ao passado; fazer a contextualização dos fatos e recuperar o tempo histórico para poder dimensionar melhor as mudanças, a quem elas beneficiam e prejudicam. Por último, é preciso sondar o futuro a partir destes dois momentos de observação. Trabalhar com perspectivas, pensar ancorado em bases sólidas.

Férias
Esse post é pessoal, mas é também um convite à reflexão sobre ritmo e vida. Sob bombardeio de textos no twitter, facebook, jornais e blogs, a gente deixa de ler – só passa os olhos para ver do que se trata o assunto. Com a pressa para chegar, a gente deixa de viver o caminho. À 90 km/h, de carro, não dá para ver a cidade. Às vezes, é necessário parar.

A Gisele

Pretendo passar um mês desplugado, fora do ar. O OutrasVias nesse meio tempo fica nas mãos da Gisele Brito, jornalista talentosa de 25 anos, com especial interesse no debate sobre transporte público e coletivo. Ela tem experiência para falar do assunto. Mora no Grajaú, extremo sul de São Paulo, conhece a rotina injusta dos trabalhadores que cruzam a cidade em ônibus e trens lotados para trabalhar todos os dias.

Mais que isso, a Gisele faz uma pós em Economia Urbana e Gestão em Políticas Públicas. Não deve escrever uns textos tão chatos como este aqui, mas tem embasamento para tratar de assuntos complexos com o cuidado necessário. E, como garantia que ela não é uma acadêmica chata, adianto ainda que deixei com ela minha bicicleta. Se der certo e ela se animar a arriscar umas pedaladas na cidade, pode até dividir a experiência de ciclista novata com vocês aqui.

Aproveitem. Voltamos a nossa programação normal em dezembro.

Cicloviagem para Itu

Na estação de trem. Pessoas e bicicletas combinam

No sábado, dia 9 de setembro, cerca de 80 pessoas saíram da Estação da Luz, em São Paulo, rumo a Jundiaí, em um trem reservado pela  CPTM. De lá, o grupo seguiu pedalando rumo a Itu em um percurso de cerca de 60 km, que incluiu a agradável Estrada dos Romeiros, que margeia o Rio Tietê.

Água, bomba de ar, blusa amarrada no bagageiro e capacete. É simples viajar de bicicleta

Talvez seja sorte, talvez seja o espírito de grupo e cumplicidade neste tipo de viagem, mas o fato é que em todas surgem pessoas fantásticas, com ideias que empolgam e perturbam. Se em Curitiba deu para  pedalar e conversar com o Carlos Aranha e Denis Russo, desta vez apareceram João Lacerda, do Transporte Ativo, e a Cycle Chic Verônica Mambrini. Vale clicar, ler e ouvir cada um deles.

Bikes de todos os tipos, tamanhos e cores

A viagem levou praticamente o dia todo, com o grupo seguindo devagar, parando para fotos, trocar pneus furados ou descansar as pernas. Além, claro, de paradas para abastecer os motores.

Parada no posto para...

... comer sanduíches e frutas!

 

 

 

 

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Em suma é isso, é simples (e barato) viajar de bicicleta. Há diversas opções de roteiros e não são poucos os grupos que organizam passeios. No “Nervo Exposto”, livro recém-adicionado à Biblioteca deste blog, o João Pavese defende que é a melhor forma de conhecer uma região. É mais rápido e viável do que caminhar, com a diferença de que não se perde o contato com o entorno. Pedalando é possível sentir os cheiros, conversar com quem está no caminho e ouvir (talvez por isso não me entusiasmo com fones).

Veja também:
– Dicas do CicloBR para a viagem de Itu
– O relato da Flavia Guerra, do Estadão
– Vídeo-relato na Veja
– Fotos do Leonardo Yamada
– Fotos do Rafalito

Greenwashing e SWU
Dos 80 ciclistas, uns 15 seguiram para o festival de música SWU. Os relatos (aqui e aqui) mais recentes indicam que, apesar de vender o evento como um grande encontro em prol das sustentabilidade, os organizadores esqueceram alguns pontos básicos. Os que foram de bicicleta, o meio que menos consome combustível e polui, por exemplo, não tinham onde estacionar.

Caldo de cana, "combustível" menos propagandeado, porém mais ecológico que o etanol


Os autores

Daniel Santini é jornalista, tem 31 anos e pedala uma bicicleta vermelha em São Paulo. Também colaboram no blog Gisele Brito e Thiago Benicchio.

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Dica de leitura

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