Mudança!

O Outras Vias mudou para dentro do portal ((o)) eco, ao qual esteve conectado desde sua criação. A alteração ajudará a integrar o conteúdo com o de outras editorias do site, a fortalecer ((o)) eco Bicicletas e é o primeiro passo de uma série de novidades que vem por aí. Em breve, quem sempre digitou http://outrasvias.com.br/ será diretamente redirecionado para o novo endereço  http://www.oeco.com.br/outrasvias

O arquivo inteiro do site será mantido no https://outrasvias.wordpress.com/ e continua aberto em licença C.C. 3.0, como indica esse botãozinho aí do lado. Todo conteúdo pode ser reproduzido contanto que citado o crédito. A biblioteca, com todas indicações de leitura sobre mobilidade urbana, terá um cantinho especial no novo endereço – como devem ter todas as bibliotecas.

Eu e toda equipe de ((o)) eco que trabalhou nas mudanças torcemos para que gostem da nova página. Dúvidas, sugestões, críticas ou reclamações, continuo no danielsantini @ gmail.com

Santini

 

 

 

Ferreiro troca carro por bicicleta para economizar

Miguel é um ferreiro que, desde 2001, têm feito carretos atravessando São Paulo de bicicleta. “Desisti do carro. O preço da gasolina subiu, tem trânsito demais e não compensa”, me explicou em frente ao Memorial da América Latina, enquanto pedalávamos lado a lado na última faixa da avenida, atentos ao trânsito. Ferreiro rápido, tive que me esforçar para alcançá-lo e depois manter o mesmo ritmo que ele, mesmo com um carrinho parcialmente cheio. Quando ele entope o carreto de ferro, a carga chega a pesar dezenas de quilos.

“Dá para ir para todos os cantos. Eu vou até Santo Amaro, até o Campo Limpo, toda a cidade. Agora mesmo estou indo para Santo André”, afirmou, sorrindo tranquilo. “Essa bicicleta é mais nova, ela rende muito melhor. A outra que eu tinha era bem ruim”, completou, antes de virar à direita na Avenida Pacaembu e seguir seu caminho, desta vez pela calçada. “Um bom dia aí meu amigo, a gente se vê”, acenou.

Valeu, seu Miguel!

A violência do medo

O Odir Züge Jr., professor universitário, ciclista cotidiano e amador e colaborador eventual de ((o)) eco Bicicletas, participou do Audax 600 no último final de semana. Depois de pedalar por mais de 17 horas e ter vencido mais de 280 km da prova (distância suficiente para ir até Avaré, ou quase o necessário para ir e voltar de Sorocaba), ele foi atacado. Em uma subida, enquanto pedalava devagar, viu um carro se aproximar. Rápido, de um jeito covarde, o passageiro gritou para assustá-lo. Talvez tenha dado um tapa também, o Odir não lembra. Ele foi para o chão, se arrebentou. Ouviu um “aê, se fudeu” e viu o carro se afastando. Não sofreu nenhum ferimento mais grave, mas se machucou e teve que desistir da prova. O Audax 600 terminou no km 355 para ele.

É mais um episódio violento, covarde, triste, entre tantos episódios recentes. Mais um. Na semana passada teve a morte do empresário Antonio Bertolucci, de 68 anos, atropelado por um ônibus na Avenida Sumaré. Na retrasada, teve a do metalúrgico Rubens Cardoso dos Santos , de 40 anos, atropelado por um caminhão perto de Guarulhos, esta menos noticiada. Depois, morreu mais uma pessoa em em Fortaleza. E um em Goiás. E mais um e mais um.

A falta de cuidado com a vida assusta, apavora. O medo congela, deixa a perna mole, sem força para empurrar o pedal, sem vontade. O sangue derrete em desânimo.

O medo
Seu Manoel é um senhor simpático, do tipo que dá bom dia sorrindo todos os dias. Conversa animado, com um sotaque português antigo, pergunta sobre a vida, sobre o trabalho, a família. Não foram poucas as vezes que eu me atrasei conversando com ele na portaria do meu prédio. Seu Manoel não sai para a rua, tem medo de se machucar nas calçadas mal cuidadas do bairro. Não é o único no prédio. Outra senhora também, só que esta, por recomendação médica, tem que caminhar pelo menos por meia hora todo dia. E regularmente eu a vejo caminhando entre a quadra apertada e o estacionamento dos carros, de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro.

No bairro, em vários prédios pessoas caminham nas garagens. Não só por medo das armadilhas das calçadas esburacadas, mas também por medo de assaltos. À noite, tem trechos desertos, em que não se vê viva alma. Nos quarteirões em que só há muros altos e avenidas de alta velocidade, a sensação é de risco constante mesmo. Sem ninguém na rua, nem as câmeras garantem segurança. Nem as grades, pelo menos não para quem está do lado de fora.

Há crianças que moram a algumas quadras da escola, mas que vão estudar levados por motoristas particulares. Medo de sequestros, da violência das ruas. E, de repente, vira algo normal viver vigiado, cercado, murado, armado.

A violência do medo.

Leia “antes que eu me esqueça”, no phylings

Segurança
Aumentaram os casos de atropelamentos de ciclistas no trânsito? Começaram a acontecer mais tragédias? Ou a mídia, no embalo da morte de um empresário importante e das manifestações cada vez mais intensas e bem direcionadas de cicloativistas, começou a prestar mais atenção no assunto? É suicídio se arriscar a andar de bicicleta em uma cidade como São Paulo? É loucura pensar em pedalar sem capacete? (e, sim, este texto é uma continuação do “a estética do medo”).

É importante atentar à segurança, ter cuidado, preservar a vida. Sempre. Assim como é importante não deixar que o excesso de zelo ceife esta mesma vida. Vale mesmo viver enjaulado, frustrado, preso a uma sensação de segurança que muitas vezes não passa disso, sensação? Viver e contribuir para um suicídio coletivo em uma cidade fedida e acelerada demais.

O equilíbrio entre responsabilidade e paranoia é tênue e cada um sabe o seu. Decidir limites é uma questão individual e é preciso respeitar a escolha de cada um. Andar de bicicleta é um direito e está longe de ser um gesto suicída ou de gente maluca; para muita gente, é a única opção economicamente viável de transporte.

É importante que cada um saiba o risco que quer correr. Informações na mídia detalhadas, com dados estatísticos, indicações de onde e como acontecem atropelamentos, ajudam mais do que meramente repetir histórias trágicas – apesar de, talvez, não darem tanta audiência. Pensar nessas horas é melhor do que apenas sentir. Eu não gosto de disputar espaço com ônibus ou caminhões, ou em andar em avenidas com carros grandes porque sei que atropelamentos fatais costumam envolver veículos grandes ou velocidade. A decisão é de cada um e deve ser respeitada.

Aliás, mesmo tendo sido atacado, o Odir não desistiu de pedalar ou de um dia completar o Audax 600. Ele pode até sofrido uma agressão covarde, mas a violência do medo não o derrubou.

Copenhague e o Cidades para Pessoas

Saiu a primeira reportagem do projeto Cidade para Pessoas, da jornalista Natália Garcia. Em busca de informações sobre experiências bem sucedidadas de sistemas de transporte e organização espacial, ela viajou para conhecer algumas das cidades com planejamento urbano mais avançado do mundo.

A primeira parada, não por acaso, foi Copenhague, definida pela Natália como a cidade das bicicletas. É lá que começou o trabalho do arquiteto Jan Gehl, um urbanista que teve a ousadia de propor a prioridade para pessoas e não automóveis na configuração do meio urbano. É daí que vem o nome do projeto. A viagem está só começando, mas já rendeu uma primeira reportagem bem completa, com fotos, texto, infográficos e este vídeo, reproduzido abaixo com autorização da moça.

Aliás, o Cidade para Pessoas, assim como o Outras Vias, é todo em Creative Commons e todo conteúdo encontrado nas páginas pode ser distribuído por aí. Pode não, deve.

=)

Leitores de todo o Brasil se solidarizam com família Bertolucci

Foto de Gonzalo Cuéllar (clique na imagem)

Não foi só em São Paulo que a morte do empresário Antonio Bertolucci, de 68 anos, atropelado de maneira brutal na manhã de segunda-feira, dia 15 de junho, provocou manifestações de solidariedade e indignação. Leitores do Outras Vias de diversas partes do Brasil deixaram nos comentários do blog mensagens de apoio à família do ciclista. “Que triste! Minha solidariedade aos familiares do Sr. Antônio Bertolucci. Nenhuma morte pode ser aceita. Não moro em São Paulo, mas aqui em Floripa enfrentamos o mesmo desrespeito. Não dá mais pra se calar…”, escreveu Mayra Caju Warren.

Foto de Gonzalo Cuéllar (clique na imagem)

Em São Paulo, no dia da tragédia, ciclistas organizaram uma manifestação pública de apoio e pedido de mais cuidado para quem dirige. Foi pintada e colocada uma Ghost Bike, uma Bicicleta Fantasma, no local do acidente. “Isso já não é apenas mais triste mas sim TRÁGICO! Pedalo no Rio de Janeiro e aqui também é assustadora a violência contra ciclistas. Meu apoio, carinho e solidariedade aos familiares do Sr. Antonio”, escreveu Cristina Amazonas.

Foto de Gonzalo Cuéllar (clique na imagem)

Em linhas gerais, os leitores deixaram mensagens exigindo respeito, atenção e cuidado por parte dos motoristas. Cobraram das autoridades a construção de ciclovias em avenidas e estrutura cicloviária adequada para a cidade e pediram menos violência no trânsito. “Triste e revoltante. Sou de Porto Alegre e mando solidariedade à família. Motoristas de ônibus deveriam ser exemplares, mas vejo muitos que andam descontrolados, sem dar a mínima pra ciclistas e pedestres. E o pior é que isso é tratado como normal. Pegaram os dados do ônibus?”, escreveu Melissa. “Sentimentos à família e todo apoio daqui de Salvador! Não aceitamos mais mortes! Não foi acidente!”, escreveu Ana Elisa.

Foto de Gonzalo Cuéllar (clique na imagem)

Todos os comentários podem ser lidos aqui. NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Enquete: é viável andar de carro em SP?

Por conta do atropelamento do Antonio Bertolucci, o Estadão publicou a enquete “é viável andar de bicicleta em SP?”. Por sugestão do Thiago Benicchio, diretor da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo e colaborador eventual do Outras Vias, este blog propõe uma outra enquete, também sobre viabilidade e trânsito em São Paulo.

Ainda sobre a triste tragédia, vale ler os textos:

Por que não foi acidente, no vádebike.org
A brancura das bicicletas, no asbicicletas
Motoristas precisam aprender a dividir o espaço com as bicicletas, na Globo
“É preciso diminuir o límite de velocidade”, na ÉpocaSp
De bicicleta, hoje foi um dia daqueles, no debicicleta
Luto pelo que acreditamos, nas Pedalinas

Não aceitamos mais nenhuma morte

Na manhã desta segunda-feira (13), Antonio Bertolucci, empresário de 68 anos, foi atropelado por um ônibus quando andava de bicicleta no acesso à Avenida Sumaré, em frente à Praça Caetano Fraccaroli, na Zona Oeste de São Paulo. A família está arrasada e pede para que quem pedala na cidade se mobilize para evitar que tragédias como esta se repitam. Uma manifestação de indignação e solidariedade foi marcada para hoje, às 19h, no local do acidente.

NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Bertolucci era um ciclista experiente e apaixonado por bicicletas, segundo a família contou para a Aline Cavalcante, amiga querida que foi até o 14º Distrito Policial, onde o caso foi encaminhado, para prestar solidariedade. O motorista do ônibus alega que ele estava em um ponto-cego. O impacto foi tão violento que, mesmo tendo sido encaminhado para o Hospital das Clínicas, do lado de onde a tragédia aconteceu ele morreu. Tivesse respeitado a distância mínima de 1,5 metros, que deve ser observada ao ultrapassar ciclistas segundo o Código Brasileiro de Trânsito, talvez o motorista tivesse conseguido desviar. Tivesse diminuído a velocidade ao visualizar Bertolucci, talvez o motorista tivesse conseguido evitar o luto de mais uma família.

NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Chega. É hora de São Paulo mudar de uma vez. O sistema de transporte baseado em loucas avenidas com gente acelerando para todo canto não funciona; é lento, congestiona, poluí e mata a cidade. Queremos mudanças e queremos mudanças já. Queremos cidades com sistemas de transporte coletivo eficientes, calçadas largas, ciclovias, rotas com trânsito compartilhado, sinalização e velocidade reduzida. Queremos mais espaço para bicicletas e pessoas, e menos para quem gosta de brincar de corrida. Exigimos respeito.

NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Bicicletas em São Paulo são realidade e merecem atenção do poder público. É preciso oficializar as ciclo-rotas da cidade, é preciso sinalizar e orientar os motoristas quanto ao compartilhamento de vias e à necessidade de cuidado e respeito com os veículos menores. É preciso punir quem não respeitar a distância de 1,5 metros ao ultrapassar ciclistas (ou esperar para fazer uma ultrapassagem segura, quando é o caso). É preciso acabar com a imprudência de quem dirige máquinas de toneladas e age como se a pressa valesse mais do que a vida.

NÃO ACEITAMOS MAIS NENHUMA MORTE.

Solidariedade com a família.

Leia também (links sendo adicionados ao longo do dia):
página wiki sobre o acidente, na bicicletada.org
luto, no PsCycle
ciclista morre atropelado, no Estadão
chega de mortes, no vádebike.org
presidente do conselho da Lorenzetti morre atropelado, na Folha
apaixonado por bicicletas, ciclista fazia o mesmo trajeto a décadas, no Estadão

 

A despedida do Ronaldo de dentro de um ônibus

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O bem sinalizado ponto de ônibus perto de casa.

Um curioso fenômeno torna-se cada vez mais comum dentro dos ônibus da cidade. Na lentidão do sistema, com os coletivos presos em um mar cada vez mais revolto de carros, os usuários de transporte público têm apelado para pequenos aparelhos de TV portáteis.

Enquanto ônibus capazes de levar mais de 50 pessoas ficam cercados por carros que, na maioria, levam apenas um ocupante, as pessoas usam todos os recursos para fazer o tempo passar. Incluindo ver um jogo de futebol durante a viagem, ainda que em uma tela tão pequena que o Ronaldo parece magrinho.

Quem viu o jogo da seleção brasileira ontem à noite sabe a que tipo de aparelho me refiro. No estádio muita gente acompanhou a partida neste tipo de telinha, como a TV insistiu em mostrar no final da transmissão, em um estranho e curioso festival de metalinguagem.

Aos vivos
Dentro dos coletivos, em dias de futebol, as pessoas interagem. É quase um estádio em movimento. Assisti à despedida do Ronaldo no último banco do ônibus, aquele que mais pula, dependendo de quão velha é a suspensão. A do coletivo em questão deveria ser bem velha, porque o banco pulava e pulava, dando a ilusão de uma arquibancada balançando.

Vi os últimos minutos do Fenômeno no aparelho de um vizinho desconhecido. Solidário, ao perceber meu interesse, ele até curvou a telinha para me ajudar a não perder detalhes. Trocamos comentários sobre a partida. Mais gente conversava. O cobrador praticamente narrou para o motorista a despedida do “Gordo”. Um era corintiano, o outro não. Provocações, brincadeiras, risadas.

Todos interagindo. Nos carros, todos sozinhos. Fazia frio, mas envolvido no estranho estádio em movimento, me senti aquecido. Futebol junta as pessoas. Até a senhora bem velhinha, sentada na minha frente, se esticava para ver a TV na mão de outro homem, este de boné e fones de ouvido. Atentos, todos juntos, acompanhamos o artilheiro perder os três gols.

É, Ronaldo, é hora de parar mesmo.

O primeiro tempo termina e meu ponto chega antes de o Ronaldo concluir a volta olímpica.

Respeito
Brincadeiras à parte, Ronaldo é o maior artilheiro da história das Copas do Mundo, com 15 gols e participação em quatro edições do principal torneio de futebol do planeta (1994 como reserva, 1998, 2002 e 2006), fez seu último jogo pela seleção brasileira na noite desta terça-feira (7). Goste-se ou não do Fenômeno, há que se respeitá-lo. O craque (e é preciso critério e cuidado ao usar essa palavra) fez 105 jogos com a amarelinha. Venceu 74, empatou 22 e participou de apenas nove derrotas. Fez 67 gols. Um vencedor que fez da vida um exemplo de superação pela coragem com que enfrentou lesões graves.

Eu não sou o fã número 1 do Ronaldo; prefiro outros craques mais tortos como Garrincha, mas esta é outra história e o ponto é esse: assim como é preciso respeitar Pelé, é preciso respeitar Ronaldo.

Leia também outras considerações interessantes sobre TVs e sistemas coletivos no Panóptico e no Apocalipse Motorizado (textos de 2009).

Prefeitos que pedalam e a C40

De camiseta vermelha, Sam Adams, prefeito de Portland (EUA), com os ciclistas que o acompanharam em São Paulo. Foto: João Lacerda / Transporte Ativo

Na semana passada, prefeitos e autoridades municipais das principais cidades do planeta se reuniram em São Paulo para discutir como reduzir emissões de carbono e lidar com as mudanças climáticas em curso no planeta. Durante o encontro, chamado de C40, soluções de mobilidade urbana foram discutidas e as autoridades brasileiras tiveram chance de entrar em contato com diversas experiências inovadoras para reduzir congestionamentos e melhorar a eficiência dos sistemas de locomoção (leia-se transportar mais gente gastando menos energia/combustível).

A principal recomendação, como não poderia deixar de ser, foi priorizar o transporte coletivo em detrimento do transporte individual. Mais ônibus, metrôs, bondes e trens nas ruas, menos carros. Uma fórmula fácil para reduzir a quantidade de veículos circulando e de fumaça no ar. Concretizar tal mudança e, junto a isso, ampliar a integração entre modais, é o passo decisivo para a construção de cidades mais humanas. Isso significa priorizar e facilitar a circulação de pedestres, criar bicicletários próximos a terminais de transporte e outros pontos com grande fluxo de pessoas e criar redes cicloviárias adequadas – que são compostas não só por ciclovias, mas também por rotas de trânsito compartilhado com sinalização e velocidade máxima reduzida.

O prefeito de Copenhague Frank Jensen, que aproveitou uma folga para tentar pedalar em São Paulo (veja reportagem na TV Globo), escreveu no Facebook que, durante um jantar com o prefeito de Nova Iorque Michael Bloomberg e o diretor do Banco Mundial Robert Zoellick, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton ficou o tempo inteiro repetindo: “façam como Copenhague”. A cidade é justamente onde foi implementado de maneira mais radical o modelo de humanização de cidades pensado pelo arquiteto Jan Gehl, que acabou inspirando o genial projeto Cidade para Pessoas, da jornalista Natália Garcia e serve de base para mudanças em curso em algumas das principais capitais do planeta. O fechamento da Times Square em Nova Iorque, por exemplo, foi uma das intervenções propostas pela equipe de Gehl em parceria com a secretaria de Transportes da cidade (leia o que saiu a respeito no ((o)) eco Cidades – parte 1 e parte 2).

O secretário do Verde e Meio Ambiente Eduardo Jorge e o prefeito de Portland Sam Adams em frente à prefeitura de São Paulo. Foto: Rene Fernandes - @renejrfernandes

Tá na moda?
Ele não foi o único prefeito a pedalar. O de Portland Sam Adams aceitou um convite da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) e, em vez de ficar enfurnado em um hotel de luxo na zona sul da cidade, se animou em pedalar pela região central (veja reportagem na TV Record). Nas principais capitais do planeta, promover a reapropriação do espaço público por meio do incentivo ao uso bicicleta é cada vez mais uma tendência da qual os prefeitos de orgulham. Boris Johnson, o de Londres, outra capital onde mudanças que está se adaptando totalmente às bicicletas, não compareceu na C40, mas postou uma foto na semana passada em uma fábrica de bicicletas.

Por aqui, o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab começa a surfar (ou pedalar) também nesta onda. Quebrando a tradição dos políticos da cidade, que sempre estufavam o peito para falar de pontes e avenidas monstruosas deixadas como “legado”, o atual governante já fala em deixar “ciclovias permanentes”:

“Vamos avaliar a implementação da ciclovia permanente na cidade de São Paulo. É um legado que quero deixar para as próximas gestões.” Gilberto Kassab, no Jornal da Tarde

Os prefeitos começam a pedalar e as cidades começam a mudar. Mesmo que o carro do governador ainda não dê preferência para pedestres, como noticiou hoje o G1.

Anjos de bicicleta, carona solidária e outras ideias para prevenção de congestionamentos

Marcos Bicalho, Fernando Doria de Bellis, Soninha Francine, Eduardo Jorge e João Paulo Amaral debatem mobilidade urbana em evento sobre sustentabilidade em São Paulo

Você já ouviu falar em Bike Anjo? E já pensou em levar no seu carro alguém que você não conhece, mas que trabalha na mesma empresa que você e mora perto da sua casa? Você já imaginou se na sua cidade os ônibus custassem a metade do preço ou até menos do que custam hoje? Estas são algumas das ideias sobre como melhorar o trânsido das cidades que foram debatidas na noite de segunda-feira, dia 30, na Zona Oeste de São Paulo. No painel Mobilidade Urbana, um dos muitos da II Semana da Sustentabilidade da Livraria Cultura, quatro especialistas de diferentes áreas apresentaram e discutiram ideias interessantes para prevenção de congestionamentos.

Com a mediação de Soninha Francine, participaram da conversa o secretário municipal do Verde e Meio Ambiente Eduardo Jorge, o organizador do projeto Carona Brasil Fernando Doria De Bellis, o bike anjo e consultor ambiental João Paulo Amaral, e o superintendente da Associação Nacional dos Transportes Públicos Marcos Bicalho. Este último, ao final do evento, resumiu a qualidade do debate e a dificuldade em levar adiante projetos: “Temos unanimidade em diversos pontos e as soluções existem. O problema é que, na hora de serem votadas, os vereadores e legisladores não as aprovam”, ressaltou, apontando que tal resistência se dá devido à existência de um “judiciário conservador” e uma imprensa que, em termos gerais, não consegue analisar os problemas com profundidade e estabelecer as relações por trás da crise de mobilidade em curso.

Com o intuito de colaborar na busca de soluções de congestionamentos e melhoria coletiva da qualidade de vida nas cidades, o Outras Vias apresenta uma seleção das principais propostas apresentadas.

Bike anjo – Projeto tocado de maneira voluntária por ciclistas que se dispõe a ajudar novatos para aumentar o número de bicicletas nas ruas. Os anjos de bicicletas dão dicas de segurança, orientam quanto aos melhores caminhos e ajudam a traçar rotas evitando avenidas ou trechos com mais dificuldade. O João Paulo Amaral, que apresentou o conceito durante as discussões, é também integrante do coletivo Ecologia Urbana, além de trabalhar como consultor em projetos de sustentabilidade e mobilidade e ser um dos responsáveis por organizar o Ação Pegada Berrini pela Green Mobility. A iniciativa tem se multiplicado e, além dos bike anjos de São Paulo, já existem os bici anjos de Porto Alegre, e os de Pernambuco.

Para ver imagens de um bike anjo em ação e entender melhor como o projeto funciona, assista à reportagem “Bike anjos ajudam a diminuir o trânsito e a poluição de São Paulo”, do Bom Dia Brasil, da TV Globo.

Caronas solidárias – Surgem no Brasil diversos programas para incentivar a prática de caronas e ampliar a segurança dos adeptos desta forma de viagem. No evento, o organizador de um destes projetos, o Carona Brasil, Fernando Doria De Bellis, contou sobre a receptividade que a ideia tem tido em diversas empresas, defendeu o potencial de reduzir o número de carros em circulação aumentando o número de passageiros por veículos, e explicou como a tecnologia tem ajudado a colocar em contato pessoas que moram próximas e tem destinos parecidos. Em diversas cidades do planeta há programas para incentivar a solidariedade entre os motoristas. Entre as medidas que tiveram resultados positivos estão a criação de faixas preferenciais para carros com mais de um ocupante. Tem gente muito boa por aqui defendendo este tipo de iniciativa. O antropólogo Roberto da Matta, por exemplo, é favorável à criação deste tipo de faixas na Ponte Rio-Niterói (leia entrevista recente que fiz com ele para o jornal Folha Universal).

Redução de tarifas para o transporte coletivo – Aumentar o número de bicicletas nas ruas e incentivar a carona pode ajudar a reduzir o número de carros em circulação, mas nenhuma medida é mais importante do que tornar mais acessível o transporte coletivo nas grandes cidades. Durante a palestra, o superintendente da Associação Nacional dos Transportes Públicos Marcos Bicalho defendeu uma redução radical no preço das tarifas, citou exemplo de outras cidades do mundo e ressaltou os benefícios para todos de substituir um sistema baseado no transporte individual por um baseado no transporte coletivo.  Reclamou da falta de vontade política para tais mudanças e lembrou que, apesar dos investimentos normalmente serem direcionados principalmente para ampliação e manutenção da infraestrutura para carros (os “grandes vilões”, nas suas palavras), a maioria da população se desloca de outras maneiras – fato já destacado neste blog. Aliás, Bicalho não é o primeiro a defender a ideia de reduzir radicalmente as tarifas e o Outras Vias já resumiu anteriormente também propostas até de reduzir a tarifa para zero. Bicalho, por fim, defendeu a integração de diferentes modais, os bicicletários em terminais, e “um olhar mais intenso e radical para os pedestres”, tendo como base a Década de Ação pela Segurança no Trânsito.

Cidades para pedestres – A priorização e melhoria das condições para quem caminha nas cidades foi outro consenso entre os participantes. Apoiado na recente campanha de respeito para os pedestres da pasta municipal de Transportes de São Paulo, o secretário municipal de Verde e Meio Ambiente Eduardo Jorge defendeu medidas como a redução da velocidade máxima nas vias, lembrando que só de alterar o limite de 80 km/h para 70 km/h o número de acidentes na Avenida 23 de Maio, uma das principais da cidade, caiu 27%. O secretário destacou a preocupação em melhorar a qualidade do ar, defendeu a busca por novas tecnologias de combustível para frota e a criação de novos mecanismos para desestimular o uso do transporte individual, como o polêmico pedágio urbano. Ao tocar neste ponto, lamentou o que avalia como resistência à proposta por parte da própria população que seria beneficiada. Pedágio urbano, aliás, é um tema tão complexo e polêmico que vale um texto inteiro a respeito. Em breve.


Os autores

Daniel Santini é jornalista, tem 31 anos e pedala uma bicicleta vermelha em São Paulo. Também colaboram no blog Gisele Brito e Thiago Benicchio.

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