A despedida do Ronaldo de dentro de um ônibus

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O bem sinalizado ponto de ônibus perto de casa.

Um curioso fenômeno torna-se cada vez mais comum dentro dos ônibus da cidade. Na lentidão do sistema, com os coletivos presos em um mar cada vez mais revolto de carros, os usuários de transporte público têm apelado para pequenos aparelhos de TV portáteis.

Enquanto ônibus capazes de levar mais de 50 pessoas ficam cercados por carros que, na maioria, levam apenas um ocupante, as pessoas usam todos os recursos para fazer o tempo passar. Incluindo ver um jogo de futebol durante a viagem, ainda que em uma tela tão pequena que o Ronaldo parece magrinho.

Quem viu o jogo da seleção brasileira ontem à noite sabe a que tipo de aparelho me refiro. No estádio muita gente acompanhou a partida neste tipo de telinha, como a TV insistiu em mostrar no final da transmissão, em um estranho e curioso festival de metalinguagem.

Aos vivos
Dentro dos coletivos, em dias de futebol, as pessoas interagem. É quase um estádio em movimento. Assisti à despedida do Ronaldo no último banco do ônibus, aquele que mais pula, dependendo de quão velha é a suspensão. A do coletivo em questão deveria ser bem velha, porque o banco pulava e pulava, dando a ilusão de uma arquibancada balançando.

Vi os últimos minutos do Fenômeno no aparelho de um vizinho desconhecido. Solidário, ao perceber meu interesse, ele até curvou a telinha para me ajudar a não perder detalhes. Trocamos comentários sobre a partida. Mais gente conversava. O cobrador praticamente narrou para o motorista a despedida do “Gordo”. Um era corintiano, o outro não. Provocações, brincadeiras, risadas.

Todos interagindo. Nos carros, todos sozinhos. Fazia frio, mas envolvido no estranho estádio em movimento, me senti aquecido. Futebol junta as pessoas. Até a senhora bem velhinha, sentada na minha frente, se esticava para ver a TV na mão de outro homem, este de boné e fones de ouvido. Atentos, todos juntos, acompanhamos o artilheiro perder os três gols.

É, Ronaldo, é hora de parar mesmo.

O primeiro tempo termina e meu ponto chega antes de o Ronaldo concluir a volta olímpica.

Respeito
Brincadeiras à parte, Ronaldo é o maior artilheiro da história das Copas do Mundo, com 15 gols e participação em quatro edições do principal torneio de futebol do planeta (1994 como reserva, 1998, 2002 e 2006), fez seu último jogo pela seleção brasileira na noite desta terça-feira (7). Goste-se ou não do Fenômeno, há que se respeitá-lo. O craque (e é preciso critério e cuidado ao usar essa palavra) fez 105 jogos com a amarelinha. Venceu 74, empatou 22 e participou de apenas nove derrotas. Fez 67 gols. Um vencedor que fez da vida um exemplo de superação pela coragem com que enfrentou lesões graves.

Eu não sou o fã número 1 do Ronaldo; prefiro outros craques mais tortos como Garrincha, mas esta é outra história e o ponto é esse: assim como é preciso respeitar Pelé, é preciso respeitar Ronaldo.

Leia também outras considerações interessantes sobre TVs e sistemas coletivos no Panóptico e no Apocalipse Motorizado (textos de 2009).

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Os autores

Daniel Santini é jornalista, tem 31 anos e pedala uma bicicleta vermelha em São Paulo. Também colaboram no blog Gisele Brito e Thiago Benicchio.

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