“Deslocamento é Lugar”

A revista urbania4 publicou um texto muito interessante sobre mobilidade urbana com entrevista do ex-secretário de transportes de São Paulo Lúcio Gregori e o véio conhecido desse blog Thiago Benicchio, diretor da Ciclocidade. Mas o que me encantou logo de cara foi o título da matéria: “Deslocamento é lugar”. Achei a frase uma síntese lindíssima de um monte de coisas que estavam na minha cabeça há tempos e que mais recentemente foram motivadas pelas pinturas e gravuras do artista plástico André Ricardo. O André é paulistano e pinta paisagens. Mas a concepção dele do que é paisagem tem totalmente a ver com um dos lugares em que ele passa mais tempo da sua vida: o deslocamento.

Ele mora no Jd. Clipper, um entre as dezenas de bairros desconhecidos da zona sul de São Paulo, e estuda na USP, na zona oeste. Nos primeiros anos da graduação a viagem levava duas horas. Atualmente, depois da extensão da linha Esmeralda da CPTM – que corre entre o rio Pinheiro e sua marginal até o Grajaú -, ele vive 40 minutos pra ir e outros 40 para voltar. E essa vida dentro do vagão é o tema de uma exposição que ele está fazendo até o dia 14 no Conjunto Nacional, lá na Paulista. (clique para saber mais)

Pessoalmente, eu acho o trem e o metrô meios de transporte que alienam o cidadão da cidade. Carregam o sujeito por locais monótonos, marginais, subterrâneos, onde pouco ou quase nada na paisagem pode ser captado ou alterado. James Hillman, no livro Cidade e Alma, disse alguma do tipo: o que faz as pessoas caminharem por um lugar é a atratividade que ele tem aos olhos e sem a presença humana a cidade cria sombras.

Na sinopse da exposição, o André resume assim a vida que ele observa dentro do trem: “O estado de sono manifesta-se como expressão do cansaço e, ao mesmo tempo, ausência do sujeito em relação a tudo que o rodeia”. O que rodeia essas pessoas é a superlotação, a poluição do rio, as capivaras mutantes, os carros, os prédios envidraçados, o trânsito, as cidadelas segregadas e ricas, os carros e outras pessoas como elas, cansadas. Algumas, menos privilegiadas, não dormem. Seguem de pé, espremidas.

Elas nem percebem que estão sendo retratadas, que são o retrato do descaso.

As imagens das gravuras do André me fazem pensar muito sobre os motivos do cansaço daquelas pessoas, sobre como elas simplesmente não vivem a cidade e como a cidade sem elas é tomada por sombras, por grades, por câmeras.

por Gisele Brito.

Passageiro vira abóbora

Na semana passada, uns amigos vieram de Brasília para assistir a um show. Nenhum deles conhecia bem a cidade e a maioria nunca tinha vindo a São Paulo. Talvez por isso estavam cheios de expectativas em relação a “cidade que não para”.

Saímos de um bar por volta das duas da manhã na Vila Madalena e tivemos que pegar táxis para chegar a outro lugar, na Consolação.  Como éramos muitos, precisamos de três carros e gastamos mais com deslocamentos (primeiro esse, depois o de ida para casa) do que com as bebidas que tomamos durante toda a noite.

Foto do Flickr de EduolimA

Segundo a SPTrans, a cidade conta com apenas 21 linhas diurnas (aquelas que circulam até altas horas da noite) e 30 linhas noturnas (aquelas que circulam exclusivamente na madruga). Parte significativa delas faz apenas a ligações entre terminais de ônibus, impossibilitando que pessoas que moram em bairros distantes desses terminais acessem entretenimento, lazer, cultura e trabalho por meio do transporte público coletivo.

O Metrô e os CPTM também não funcionam depois da meia-noite com a justificativa de que durante a madrugada os serviços passam por manutenção. Aparentemente, isso não vai mudar nos próximos anos, já que as novas linhas que estão sendo implantadas na cidade não contam com um sistema de trilhos que permitiria que alguns trens passassem por manutenção enquanto outros circulariam.

Ainda assim, as pessoas enfrentam a noite e trabalham e se divertem. Outra amiga tem a teoria de que a falta de metrô é responsável por uma parte significativa das bebedeiras. Segundo ela, se tivessem como ir para casa quando se cansam das baladas as pessoas beberiam menos. Não sei se tem fundamento, mas a quantidade de gente que acampa na frente do metrô aguardando o início das operações sempre me impressiona. Assim como me impressiona a velocidade com que circulam os “negreiros”, microônibus precários que atendem a vários trabalhadores nas Avenidas Faria Lima e 9 de julho e tantos outros lugares da cidade.

Muitas das pessoas que não querem ou não podem esperar até a volta da oferta desse serviço básico da Cidade usam essas restrição na sua mobilidade por aí como justificativa para comprar e usar automóveis particulares.

Fica evidente que a Cidade não para apenas para quem tem carro ou mora próximo as áreas que concentram as ofertas de lazer e pode fazer os deslocamentos a pé e para quem se arrisca de bike enfrentando o trânsito ainda mais hostil na madrugada.

por Gisele Brito

Ps: Amanhã, Daniel Santini está de volta. Foi ótimo poder escrever nesse espaço e interagir com os leitores. Aquele abraço e até o próximo encontro em outras vias.

 

Mais próximos do fundo do que do fim do buraco

Motivada pela minha ligação para o 156, a Prefeitura de São Paulo deu prazo de sete dias úteis para tapar o bueiro que está aberto em

O buraco em 25.11

uma calçada da rua do Bosque, na Barra Funda. Infelizmente, o prazo que vencia no dia 24 não foi cumprido. Liguei para cobrar e a moça disse que, como havíamos constatado, nada havia sido feito e reabriu a demanda (ou seja, se eu não ligo fica como se o protocolo tivesse sido fechado com sucesso (!!!)).  Agora, o número do buraco é 9609015 e o novo prazo para o reparo na calçada é dia 7 de dezembro. Vamos lá, vamos ver.

por Gisele Brito

O mundo é diferente da ponte pra cá

"Ano que vem, seremos eu e a magrela"

Tatiana Montorio é professora de geografia e se impressiona com o tempo que leva para fazer um deslocamento sul-sul, entre sua casa, antes da ponte do Socorro, e a escola onde dá aulas, do outro lado – cerca de uma hora e meia no horário de pico. O desgaste é tanto que ela planeja pedir transferência no próximo ano. “Eu adoro meus alunos, a escola, mas a dificuldade para chegar lá é um dos fatores determinantes para que eu migre”.

Tati pretende lecionar em uma escola próxima a sua casa e aderir à bicicleta. “Atualmente eu não posso fazer isso porque depois do trabalho na escola, vou para outra jornada, no Ibirapuera. Normalmente carregada de livros, mapas, provas, e volto tarde. Mas, ano que vem, seremos eu e a magrela”.

Ela conta que mora próximo à represa da Guarapiranga e que, se pudesse, “não atravessaria a ponte do Socorro por nada”, mas vê dificuldade nisso. “Eu adoro acordar com passarinho cantando, abrir a janela e ver um monte de árvores, a represa. Mas se eu quero simplesmente ir ao cinema, tenho que ir pro lado de lá”.

Segundo ela, que mora com os pais e tem pesquisado aluguéis, os preços para alugar casas na região são incompatíveis com a oferta de bens urbanos oferecida. “O cara paga a mesma coisa por uma casa na periferia do que pagaria pela locação de um apartamento no centro. Só que ele não tem acesso aos mesmos equipamentos urbanos. Com aumento da renda e programas como o Minha Casa Minha Vida, as pessoas continuam morando na periferia, mas cada vez buscam mais o centro”. E como essa “busca” não é amparada por um sistema de transportes adequado, a aquisição de um automóvel é apontada pela população excluída das benesses da urbanidade como uma necessidade básica.

Há alguns dias, o comentarista Luiz Carlos Prates atribuiu os acidentes de trânsito ocorridos em Santa Catarina no feriado do dia 15 aos “miseráveis” e “ignorantes” devido à “espúria” política de “popularização do automóvel através do crédito”. Depois, respondeu às diversas críticas que recebeu por conta dos comentários preconceituosos dizendo que não poderia “aceitar que uma pessoa extremamente carente subverta a ordem das necessidades e dos desejos”.

A popularização do automóvel começou a ocorrer no Brasil nos anos 50 e 60 e hoje, como sabemos, ele está impingido de valor simbólico que atribui status àqueles que o possuem. Eu imagino que os “miseráveis” a que se refere o comentarista são, em boa parte, a população para quem a Cidade, em seu entendimento pleno, está bloqueada. Ele também disse: “desejar, todos desejamos. Necessitar, poucos necessitamos”; mas, ao contrário do que fez entender, quem necessita menos, por estar mais próxima da Cidade plena, é exatamente a parcela da população que concentra o maior número de carros.

O carro é um bem que se quer, mesmo quando não se precisa. Romper com a cultura do “querer” é um grande desafio. O comentarista não culpou o excesso de carros e a cultura motorizada, mas os motoristas – e não qualquer motorista, só os “miseráveis e ignorantes”, numa clara referência a classe social. Culpou o indivíduo, e não a ausência de políticas públicas voltadas para a mobilidade e segurança no trânsito.

Tati não quer carro nenhum e resiste bravamente às necessidades reais em seu cotidiano em uma cidade que – como tantas outras – exclui, segrega e concentra. O mundo é diferente da ponte pra cá. Mas não se sabe até quando. Tomara que o prazer de pedalar seja avassalador e ao menos atenue o problema.

 

por Gisele Brito

 

Espero que todos percam para que todos ganhem

Na última sexta-feira (12), eu liguei para o 156 e informei à prefeitura que o buraco na calçada mencionado em um post de 15.10 ainda estava aberto. Na ocasião, o Santini prometeu uma goiabada cascão para quem acertasse o tempo que demoraria para o buraco ser fechado. Na verdade, o buraco é uma boca de lobo que está aberta. Bastaria que alguém da prefeitura viesse, levantasse a tampa e a recolocasse no lugar. Algum cidadão até já fez parte desse trabalho, colocando a tampa de modo a alertar os passantes do perigo.

O prazo dado para o conserto é de 7 dias úteis. Ou seja, expira dia 24, quarta-feira. Até agora nada foi feito e, com isso, por enquanto, o ganhador da maravilhosa lata de goiabada cascão, nosso prêmio para o famigerado bolão, é o André Picardilli, que apostou que nunca o buraco seria tapado.

Um buraco para chamar de meu

Eu adoraria compartilhar com ele ou qualquer outro a goiabada cascão, mas acho que ganharíamos todos se a prefeitura tomasse providências. É claro que o “nosso buraco” é apenas uma  inspiração para posts neste blog, já que as calçadas da cidade são um desconvite a passeios.

Achei interessante a possibilidade de informar a prefeitura sobre o problema. Existe uma certa burocracia – nome, RG, endereço -, talvez excessiva, mas a ligação não toma muito tempo.  Ao final, a atendente, que te chama de munícipe, informa um número de protocolo para que o pedido seja acompanhado. O número do nosso buraco é 9585262. Quem quiser acompanhá-lo, fique à vontade. E quem tiver buracos para informar, não se faça de rogado. Se cada um tiver um buraco para chamar de seu, talvez a prefeitura não queira ficar com a batata quente de protocolos não resolvidos na mão e resolva implantar uma política pública bacana de melhoria das calçadas.

Espero que quarta-feira eu tenha boas novas, assim todos nós desfrutaremos da goiabada cascão (estou apostando que o feliz ganhador vai dividir o prêmio) e de uma calçada segura e saberemos o gostinho da cidadania.

por Gisele Brito

 

Paradoxo do Feriado (o que foi e os que virão)

Se há um assunto que é comum a todos os feriados é o trânsito. Quem tenta sair ou voltar para a cidade ao término dos dias de descanso enfrenta uma concentração de carros maluca. Algumas pessoas optam por não viajar, porque consideram menos estressante ficar na cidade e curti-la “vazia”. Outras são obrigadas a ficar para manter a urbe funcionando. De fato, bem menos carros circulam pelas ruas em feriados prolongados. Mas o “vazio” é um conceito muito relativo em uma cidade tão cheia quanto São Paulo. A CET estimou que mais de 1,5 milhão de carros deixaram a capital nesse último fim de semana, mas segundo o IBGE, a frota de automóveis registrados em São Paulo em 2009 era de quase 4,5 milhões.

Quem fica aproveita para ir com a família na casa da sogra, a algum shopping, a algum parque. Para quem faz esses deslocamentos de carro ou de bicicleta, realmente, a cidade fica bem melhor, livre de trânsito.

Já para quem precisa usar o transporte público…

Segundo a SPTrans, aos sábados, a frota de transporte coletivo na cidade é reduzida em 30% e, aos domingos e feriados, apenas 50% dos ônibus deixam as garagens. Mesmo havendo menos gente pelas ruas, essa redução significa demora e lotação.

Há alguns anos eu vi uma peça teatral em que um personagem provocava a plateia dizendo como era estranho chamarem de “úteis” os dias em que as pessoas eram obrigadas a fazer coisas predefinidas, como trabalhar e estudar. Afinal de contas, se são úteis as segundas e as quintas, o que são os sábados e os domingos?

Nos finais de semana e feriados, ao invés de serem incentivados ao lazer, à cultura, ao esporte e ao entretenimento, as pessoas que precisam trabalhar ou se deslocar grandes distâncias e dependem de ônibus e lotações têm que enfrentar longas esperas, o que acaba desmotivando a experimentação da cidade e alimentando o desejo de comprar um veículo para, enfim, poder ir e vir com algum conforto.

Para mim, fica evidente que o sistema de transporte tem o objetivo de garantir a chegada do trabalhador ao seu posto e não o acesso aos itens que garantem o pleno Direitoà Cidade. Funciona para transportar trabalhadores, não cidadãos.

Por Gisele Brito.

* O vídeo é de Christian Caselli.

 

 

Andando no Futuro

A bicicleta passou dias debaixo de sol e chuva, daí o cadeado emperrou. Chamei um monte de gente para tentar solucionar o problema, mas só uma bicicleteira de verdade sabia o macete do cadeadinho de senha. Finalmente, ontem, a magrela foi libertada.

Para que a culpa não me matasse, improvisei uma lanterna que levei uns vinte minutos para prender. E fui.

Aprendi a andar de bike aos 9, 10 anos com uma Monark rosa emprestada que tinha cestinha e garupa. A rua de casa era tranquila, mas aos sábados as crianças eram proibidas de ficar bobeando por ela. Havia uma feira na rua de cima e os carros, um ou dois a cada hora, usavam o meu “playground” como desvio. Os adultos achavam o sábado muito perigoso para andar de bicicleta. A vida toda só pedalei por lá e pelo Parque do Ibirapuera. Por isso, no primeiro impulso de ontem, considerei estar indo em direção a uma grande burrada. Mas não tinha volta. Capacete na cuca, lanterna ligada. Go.

Senti muito a falta de um espelho retrovisor e de conhecer regras de trânsito, aquelas coisas de preferencial, de entender as placas, de saber quando era mão e quando era contramão. Confesso que fiz coisas que eu não acho legais. Em boa parte do caminho fui pela calçada. As estreitas calçadas dos pedestres!

Eu até tentei pôr em prática ensinamento do tipo andar no centro da via, mas não deu. Ainda mais porque eu não conseguia ver os carros, ônibus, caminhões e motos que vinham atrás de mim. Sempre que me sentia acuada, insegura, ia para a calçada.

Perto do metrô Marechal, trombei, roda dianteira com roda dianteira, com um outro ciclista que vinha na contramão. Ficamos lá, negociando com o olhar quem ia sair da frente do outro. Ele esperou não vir nenhum carro e seguiu pelo lado errado da rua. Mais à frente, a mesma situação se repetiu com outro ciclista.

Vários carros entraram sem dar seta, vários pedestres atravessaram com o sinal fechado para eles ou no meio da rua, passando bem na minha frente, como se eu não fosse um veículo. Vários ficaram visivelmente irritados com a minha presença na calçada.

E, de repente, do nada, eu avistei o Largo Santa Cecília! Eu já estava exausta desde a primeira esquina, já tinha comprado uma água e a perdido pelo caminho, nem sei como. Eu merecia uma cerveja! (e olha que eu nem bebo). Fiquei muito feliz de ter chegado ali, sã e salva, no meu entreposto. Pensei que ia me aproximar de casa por outro lugar. Não imaginei que as ruas por onde segui me levariam ao Largo. Foi muito legal. A euforia era tanta que, quando eu vi, estava pedalando e sorrindo pela contramão. Mas até que foi bom ter entrado por aquela rua, porque pra sair dela eu peguei a única descida do trajeto. E ela me proporcionou um vento na cara maravilhoso.

Sai da Barra Funda às 21h14 e cheguei na Santa Cecília às 21h46, depois de ter calibrado o pneu, comprado água, parado no mercado para comprar cerveja, bebido a cerveja lá mesmo e conversado com um senhor. Na verdade, ele é que veio conversar comigo, por causa do capacete. Ele disse que é um dos ativistas das antigas e me contou como a bicicleta é usada na Europa. Eu disse que era meu primeiro dia e ele, todo feliz, me deu parabéns e disse: “Quem usa bicicleta está andando no futuro”.

Se eu não tivesse feito tantas paradas e batido esse papo, teria feito o percurso em uns 15 minutos! É mais do que com o Metrô, mas fiquei bem feliz com a ideia de poder economizar R$2,70, descobrir um caminho, suar e lavar o suor com chuva. Sim, porque choveu assim que eu encostei a bicicleta no portão do prédio. Eu não resisti e dei uma voltinha só para me molhar mesmo. Considerei que era uma chuva de boas-vindas.

por Gisele Brito.

Opcionais e alternativos

A palavra alternativa é bacana. Na raiz, significa a possibilidade de alternância. É meio binária: ou isso ou aquilo. Opção é mais amplo, remete a uma cesta de possibilidades de escolhas. Entre os cicloativistas o termo alternativo tem um caráter positivo e muitos usam com a mesma pegada das expressões música alternativa, estilo alternativo e sociedade alternativa.

No final dos anos 90, eram chamadas de alternativas as peruas que transportavam ilegalmente passageiros nos bairros de periferia. No começo, essas peruas cobravam tarifas menores e eram mais confortáveis, mas logo o preço subiu e as pessoas passaram a ser transportadas abarrotadas em veículos apertados e sujos, mas ainda assim mais rapidamente.

Foto: CicloBr

Em certos bairros, como o meu, a chegada dessas peruas diminuiu a oferta de transporte público ao invés de aumentá-la. Isso porque o financiamento do sistema de transporte sobre rodas no Brasil é feito inteiramenteo pelos próprios passageiros. Os donos das empresas calculam os gastos, somam e dividem pelo número de pessoas transportadas e aí chegam ao preço da passagem. O transporte “alternativo” feito pelos “perueiros” tirou passageiros dos ônibus. A fórmula para manter o lucro foi aumentar o preço da passagem, depois cortar investimentos, como na renovação da frota, e depois reduzir gastos, como o salário dos funcionários. Naquele momento, a migração para as peruas foi tanta que muitas linhas foram cortadas. Atualmente, lá no meu bairro, nenhuma das três linhas de ônibus que existiam circulam mais. Foram substituídas por 3 novas linhas de lotação, que se tornaram a única possibilidade de transporte coletivo.

Com os valores exorbitantes das conduções, uma boa galera não pode nem contar com as lotações como opção. Daí o uso crescente das bicicletas nas perifas da zona sul. É bom lembrar que quem tem a passagem subsidiada são só os estudantes, idosos e trabalhadores com carteira assinada. Toda uma massa de trabalhadores informais arca sozinha com os custos da sua mobilidade.

Para eles restaram três opções: pedalar, caminhar ou não se locomover. Quem tem que fazer essa escolha, opta por uma das duas primeiras sem pensar nenhum minuto em cidades mais humanizadas ou em ecologia. A maioria exerce funções braçais, longe, muito longe de suas casas, e andar de bicicleta significa uma economia e um sacrifício.

Eu fico pensando o que aconteceria se pelo menos 30% das pessoas que usam a lotação entre o jardim São Bernardo e o Terminal Grajaú resolvessem fazer o caminho, bem curto e tranquilo, de bicicleta. Isso significaria menos gente pagando a tarifa e, consequentemente, diminuição do lucro dos empresários, que iriam reclamar com a Secretaria de Transportes. Ela poderia atendê-los dando alguma solução para o problema ou deixaria que o mercado criasse suas próprias soluções. Provavelmente, o que aconteceria seria a redução da frota e, ao extremo, o cancelamento das linhas. Com isso, aqueles que não aderissem à bicicleta – entre eles, idosos, gestantes, pessoas com mobilidade reduzida, preguiçosos e gente sem grana para comprar uma bicicleta – ficariam sem opções.

Por isso, acredito que, para a bicicleta se tornar uma opção incorporada ao sistema viário, são fundamentais mudanças  na estrutura de financiamento. Mas para além disso, o próprio desenvolvimento local é necessário para não precisarmos, obrigatoriamente, nos deslocar tanto para trabalhar, ir ao médico, ao cinema ou à escola.

 

Por Gisele Brito.

Magrela amarrada

Como o Santini explicou no texto de até logo, eu não ando de bicicleta pela cidade. Moro do distante jardim Novo Grajaú, na zona sul, e imagino que levaria umas duas horas por dia para chegar ao meu trabalho de bike, na Barra Funda, na zona oeste. Faço esse trajeto diariamente de lotação+trem+trem e perco cerca de 4 horas do meu dia nessa brincadeira. Pelo menos trânsito eu não pego. A lotação percorre apenas um caminho curto cruzando o meu bairro até a Estação Grajaú e, como entro no trabalho fora do horário comercial, consigo vir sentada, lendo ou dormindo. Na volta, passo por certo perrengue, mas isso eu pretendo comentar em outro post.

Por coincidência, durante o período em que vou escrever no OutrasVias, terei a possibilidade de pousar alguns dias da semana em um apartamento no bairro da Santa Cecília, no centro, e me animei em fazer o trajeto até o trabalho de bicicleta. O Santini super apoiou e até deixou um capacete e a bicicleta reserva dele comigo. 

Recebi vários convites super gentis de pessoas se dispondo a me acompanhar nos primeiros dias. Pretendia fazer isso segunda-feira, porque imaginei que o trânsito estaria mais tranquilo em função do feriado. Mas não deu. A magrela continua amarrada no pátio aqui do meu trabalho.

A bicicleta não tem lanternas de sinalização e eu não me sentiria segura andando por aí “invisível”. Principalmente porque presenciei uma vez o desespero do motorista de um ônibus que tinha à sua frente um ciclista que ficava invisível no meio da madrugada. O motorista dizia que o que ele tinha mais medo era matar um “@2ksu8f de um ciclista daqueles” e que de uns tempos para cá ele tinha mais esse “estresse” acrescentado a sua rotina. (O que me fez refletir sobre como tem dado resultados o cicloativismo). Realmente, o ciclista à frente daquele ônibus monstro ficava invisível em vários momentos, dependendo da iluminação da rua, e o motorista estava preocupado com ele.

Por conta disso,  em solidariedade a esse motorista, aos pedestres míopes e, especialmente, à minha mãe, eu vou primeiro equipar a bike antes de me aventurar pelas ruas.

Gisele Brito


Os autores

Daniel Santini é jornalista, tem 31 anos e pedala uma bicicleta vermelha em São Paulo. Também colaboram no blog Gisele Brito e Thiago Benicchio.

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