No último sábado (12), mais de duas centenas de pessoas participaram da quarta edição da Pedalada Pelada em São Paulo. Esta foi a primeira edição noturna do evento e também a primeira marcada exclusivamente pelo sorriso e pelos aplausos da população que viu o alegre cortejo passar.
Nas edições anteriores, a presença ostensiva da polícia (disposta a impedir a nudez) e da mídia (disposta a sexualizar a nudez) transformaram o passeio-manifestação em um jogo de gato e rato, com pessoas detidas e um clima de constrangimento sensacionalista que ficou bem longe das ruas em 2011.
Mistura de celebração e protesto, a World Naked Bike Ride (Pedalada Pelada Mundial) acontece uma vez por ano em diversas cidades. Começou em 2004, na Espanha e no Canadá, como forma de protesto contra a dependência por petróleo. Depois, se espalhou pelo mundo, ganhando contornos diversos em cada lugar.
Em São Paulo, a festa dos corpos nus, vestidos com roupas de banho ou decorados por pinturas coloridas, chama atenção para a “exposição indecente ao trânsito” de pedestres, cadeirantes, ciclistas e passageiros do transporte público, sujeitos à péssimas e perigosas condições de locomoção na cidade.
Por volta das 20h do último sábado, a população se aglomerava nas calçadas da Av. Paulista. Câmeras, celulares e sorrisos apontados para os ciclistas com os corpos pintados.
Aplausos e palavras de apoio ainda pipocavam aqui e ali quando as primeiras bicicletas começaram a dar voltas em torno da praça. Aos poucos, a massa estava formada e começava a fluir pela avenida.
Enquanto os ciclistas seguiam em direção ao Paraíso, motoristas que participavam do congestionamento no sentido Consolação olhavam com admiração para o outro lado da avenida.
De um lado da rua, ciclistas se moviam de maneira fluida e ocupavam o espaço de maneira inteligente em uma ação direta para melhorar a realidade. Do outro lado da rua, carros e ônibus praticamente parados no congestionamento causado pelo excesso de carros.
No meio da massa, alguém grita “trânsito obsceno”. A frase, que sintetizava a paisagem da avenida naquele momento, começa a ser entoada pela multidão pelada e vira um bordão recorrente durante o percurso. Seria repetida em congestionamentos na av. Brasil e na rua Mourato Coelho, onde carros estacionados dos dois lados da via se somavam aos carros praticamente estacionados nas faixas de rolamento e causavam uma sensação claustrofóbica que já se tornou “normal” para os motoristas paulistanos.
Não é preciso ser muito empolgado para se divertir com um grupo de ciclistas coloridos, festivos e alegres. A Pedalada Pelada, assim como as bicicletadas que acontecem na última sexta-feira do mês, demonstram ao vivo uma possibilidade bem mais interessante de ocupação das ruas do que o congestionamento agressivo e barulhento de carros com uma pessoa dentro.
Não é preciso ser muito esperto para entender que os ciclistas reivindicam melhores condições de circulação nas ruas. A mensagem é obvia e, em 2011, ficou mais clara ainda por conta do incidente em Porto Alegre, quando um motorista atropelou intencionalmente dezenas de ciclistas durante uma bicicletada.
Munidos de símbolos, imagens, panfletos e frases, os ciclistas da Pedalada Pelada espalharam de maneira alegre a mensagem: é possível e necessário compartilhar o espaço e conviver nas ruas.
A simpatia da população foi ampla, geral e irrestrita: pessoas de todas as idades, classes sociais, crenças ou religiões aplaudiam a massa pelada durante o trajeto. Uma pesquisa rápida no twitter por “ciclistas pelados” ou “pedalada pelada” comprova a ideia de que a população paulistana quer mais (e não menos) eventos que tragam alegria e propaguem a convivência.
A nudez exibida durante a Pedalada Pelada não tem nada de obscena e está longe de ter qualquer caráter sexual. Os corpos dos ciclistas tinham formas e tipos variados.
Corpos normais, de pessoas normais. Gordos ou magros, peludos ou pelados: padrões distantes daqueles expostos e impostos sexualmente pela mídia, inclusive em programas destinados ao público infantil.
Durante algumas horas da noite de sábado, o falso moralismo brasileiro parece ter sucumbido à alegria genuína de seres humanos íntegros e inteiros, que querem apenas andar de bicicleta e conviver pacificamente com os outros seres e com o planeta.
A cena de um “carnaval para Jesus” encontrando a Pedalada Pelada na rua Augusta, bem na frente de um carro de polícia, vai ficar na memória de quem viu.
A coexistência necessária para a sobrevivência de uma sociedade e a tolerância exigida em uma cidade cosmopolita, por alguns instantes, se tornaram reais naquela noite de sábado. Sem dúvida, a Pedalada Pelada 2011 trouxe a linha do horizonte um pouco mais para perto.
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O sucesso da quarta edição do WNBR em SP – Renata Falzoni
Mais de 200 ciclistas participam da Pedalada Pelada em SP – Folha.com
Veja também os vídeos do @opalmas e do JP Amaral
Ou visite o clipping da Pedalada Pelada 2011 no wiki do World Naked Bike Ride
só uma palavra pra resumir a sensação que senti agora lendo esse (otimo) relato: SAUDADE
Olá,
O seu texto deixa claro, para nossas mentes e corpos, que o horizonte está sendo construído todos os dias e coletivamente – com ações diretas criativas e fundamentais para transformar e melhorar as cidades em que vivemos!
Parabéns!
Tá tudo lindo.
Eu pedalei pelado!
Eu consegui!
Eu posso!
Meu coração e minhas pernas estão me agradecendo todos os dias.
Amei estar ao lado de vocês!
Fim de mês tem mais, ano que vem tem mais.
Bjs e abs.
FANTÁSTICO! Tanto o evento quanto o texto! Tomara que a moda pegue e esse choque irreverente de realidade se espalhe Brasil afora quebrando tabus e paradigmas tâo idiotas quanto o preconceito em relação à nudez e a dependência de veículos automotores/combustíveis fósseis.
Parabéns aos participantes e ao autor!
A reportagem conseguiu sair do que mais queria – não colocar um aspecto sexual – mesmo diante da questão e imagens de nudez. O evento conseguiu ser criativo – afinal usou bom-humor, irrevência e comprometimento com uma casa legítima. Criativade para o mundo!Parabéns pela reportagem e pelo evento.