Pedale tranquilo

De volta aquele assunto chato, mas necessário: como minimizar os riscos de pedalar em São Paulo? Ao mesmo tempo em que muita gente começa a descobrir a bicicleta como uma alternativa para o trânsito surreal da cidade, ainda não existe uma cultura de compartilhamento das ruas. Sim, os motoristas se irritam em ter que deslocar o pé direito alguns centímetros para reduzir a velocidade em ultrapassagens e ficam possessos em ver qualquer obstáculo à frente. Mesmo que os segundos perdidos para ultrapassar com segurança um ciclista sejam compensados logo em seguida com a pista livre – já que um ciclista é um ciclista e não vai causar congestionamentos como um carro.

Parece simples e não haveria motivos para agressividade, finas e ataques. A lógica no trânsito, porém, não é tão racional assim. E eu nem me atrevo a tentar explicar como este mecanismo funciona depois dessa obra-prima:

Isso posto, vale ter em mente um princípio básico. Não é com agressividade que se combate essa lógica de guerra. Não adianta xingar, mostrar o dedo, socar o carro, inflamar mais uma ferida aberta na cidade. Resistir exige sabedoria, ainda mais quando o agressor pesa toneladas e é capaz de avançar com violência em segundos.

Separei algumas dicas que me ajudaram quando eu estava começando. Nenhuma delas serve, porém, sem bom-senso e reflexão. Não, não adianta insistir em forçar caminho, em, sozinho, se meter em uma avenida de alta velocidade e esperar que os motoristas respeitem e deixem de tirar finas assassinas. Não tem sentido disputar espaço com ônibus ou outros veículos gigantes. Pelo Código Brasileiro de Trânsito, o ciclista não só tem o direito como deveria ter prioridade nas pistas. Só que nem sempre isso é respeitado e é saudável ter isso em mente se você quiser adotar a bicicleta como meio de transporte rotineiro. Use o bom-senso.

Calma
A primeira lição é ter calma pedalando. Mais do que usar capacete ou obedecer cegamente às orientações abaixo, é isso que vai te manter em segurança.

Esqueça a lógica de desespero, de querer atropelar o tempo para chegar. Pedale tranquilo. Divirta-se no caminho. Respeite os pedestres de maneira obsessiva. Se for subir na calçada para fugir de uma avenida movimentada, o certo é descer e caminhar empurrando a bike. Se for desobedecer a lei e arriscar pedalar nas calçadas (e em calçadas largas como as da Avenida Rebouças ou da Avenida Sumaré seria perfeitamente possível abrir uma rota compartilhada para pedestres e ciclistas), o mínimo que você pode fazer é diminuir a velocidade. Ande feito uma lesma. Se passar a mil do lado de um pedestre, desculpe, meu amigo, você acabou de adotar a lógica do Pateta no Trânsito. Merece ser tratado como tal.

As orientações que o William Cruz, um ciclista experiente e um dos cicloativistas mais ativos da cidade, merecem ser lidas com atenção. Ele reuniu todas aqui (são vários posts, não deixe de conferir o primeiro, lá embaixo na página que abriu quando você clicou). Pense sobre o que ele escreveu. Há temas que não são consenso. Sobre contramão, por exemplo, vale considerar o que saiu no Transporte Ativo aqui e aqui.

Lá fora
Depois, vale assistir com atenção a esse vídeo aqui, do programa de bicicletas públicas da Cidade do México (é, as cidades com piores índices de trânsito estão apostando em alternativas e isso não é coincidência). Está em espanhol, mas é bem ilustrado e fácil de entender.

Por último (e sim, este é um post enorme), seguem traduzidos e resumidos os “10 segredos de pedalar no trânsito” do pessoal do Biking Toronto, um dos grupos que defendem bicicletas como transporte no Canadá. Eles autorizaram a reprodução do material. Os links de cada tópico são para o original em inglês. A responsabilidade de possíveis erros é só e exclusivamente minha.

1 – Os motoristas não querem te matar. É difícil aceitar isso quando eles passam tão perto e de maneira assustadora, mas este é um fato. Eles têm outra perspectiva e muitas vezes não pensam em quão vulneráveis os ciclistas são. Mas a vasta maioria não quer matar… eles simplesmente não compreendem um ciclista. Aposto que qualquer ciclista que você conheça que tenha uma licença de motorista pode dizer que conhecer as coisas dentro da perspectiva de alguém que pedala o tornou um motorista melhor. Saber disso tudo vai lhe dar mais confiança. Leia o original aqui (em inglês).

2 – Ande em linha reta. Não entre nos espaços entre carros estacionados para sair do trânsito. Evite ziguezaguear. Leia o original aqui (em inglês).

3 – Respeite as regras de trânsito. Se os motoristas perceberem que você respeita as regras, a tendência é respeitarem você. Por que o tratariam como um veículo com o qual devem dividir a rua se você não se comporta como um? Leia o original aqui (em inglês).

4 – Evite ser esmagado em semáforos. Quando parar antes dos carros no sinal vermelho, em vez de apoiar o pé direito na guia, o que é bastante tentador, mantenha-se na pista e apóie o pé esquerdo no chão. Os motoristas serão forçados a respeitar a sua presença e a chance de o esmagarem para o canto quando o sinal abrir diminui. Leia o original aqui (em inglês).

5 – Sinalize a direção para onde você vai. Motoristas são condicionados a obedecer aos sinais. Leia o original aqui (em inglês)

6 – Ocupe a faixa. Isso mesmo, andar no meio da faixa é mais seguro do que no canto. Vale principalmente para as ruas com faixas apertadas, em que não é seguro dividir o espaço com um carro. Nas regiões centrais, com trânsito, você estará na mesma velocidade ou mais rápido que os demais carros. Mas mesmo que esteja devagar, você tem o direito de estar ali. Leia o original aqui (em inglês).

7 – Faça os motoristas pensarem que você é imprevisível. Essa é uma dica que nem todo mundo conhece. Em uma rua com motoristas passando perto demais, uma estratégia é olhar para esquerda ou por cima do ombro. A impressão que você pode virar de repente fará os motoristas se afastarem. Leia o original aqui (em inglês).

8 – Pedale acompanhado. Motoristas têm mais chance de ver dois ciclistas do que um, quatro do que dois, dez do que quatro, e assim vai. E você nem precisa conhecer as pessoas com quem está pedalando. Haver duas pessoas juntas já diminui a possibilidade de finas. É o mesmo princípio que o da Massa Crítica. Há força nos números. Leia o original aqui (em inglês).

9 – Cuidado com o gancho de direita. Um dos locais mais comuns de colisões entre ciclistas e carros são os cruzamentos. Evite ultrapassar carros que estão virando a direita (ou podem virar) para não tomar um “gancho de direita”. O ponto-cego do motorista é grande neste caso e se ele não estiver muito atento vai atingi-lo. Leia o original aqui (em inglês).

10 – Familiarize-se com o caminho. É uma maneira de você se sentir mais confortável e aprender onde os carros aceleram ou reduzem. Leia o original aqui (em inglês).

Este post é dedicado a todos que se animaram a tentar pedalar em São Paulo recentemente. Há contradições entre o que eu escrevi lá no começo e algumas das dicas reunidas. Pense, informe-se sobre o caminho, consulte um mapa, converse com as pessoas envie perguntas por aqui, peça dicas. Que só o número de bicicletas no trânsito de São Paulo
aumente e não o de acidentes.

13 Respostas to “Pedale tranquilo”


  1. 1 gufaleigeoblog 25/08/2010 às 9:41 am

    Daniel,
    Concordo plenamente: Não adianta xingar, mostrar o dedo, socar o carro, inflamar mais uma ferida aberta na cidade.
    A mobilidade de qualidade e ambientalmente sustentável depende antes de tudo de uma mudança cultural.
    abraço

  2. 3 Tom Bike 25/08/2010 às 9:59 am

    Muito boas as dicas Daniel. Vale para qualquer cidade. Aqui em São José dos Campos, uma cidade média, existem áreas da cidade onde é complicado andar a qualquer hora.

    Planejamento também é muito importante, da rota, da roupa, etc.

    Ah, e trocar uma idéia com alguém que já anda a mais tempo na área. Vi uma troca de mensagens entre o wcruz e a moça da Globo SP onde ela falou que tinha tentado ir de bike e tinha sido um “freje”, que eu acredito que deve ser uma coisa ruim, rs, e ele sugeriu um “anjo”, voluntários que ensinam as manhas de andar na rua.

    [ ]s Oton

  3. 5 pedalinas 25/08/2010 às 7:39 pm

    eu dou dedo as vezes
    =)
    mas sou inofensiva

  4. 8 Mane 26/08/2010 às 8:05 am

    Os motoristas não querem te matar: Isso é válido para a Europa, infelizmente aqui não procede. Tente andar numa bicReta de ferro sem vestimenta de ciclista e veja o que acontece.

    Quando os motoristas percebem que é ciclista (bike caras, vestindo roupas de ciclistas, luvas e capacete) e não um simples bicicReteiro os caras respeitam porque sabem que ciclista tem dinheiro para um bom advogado e pode complicar a sua vida.

    Veja a experiência http://bicicreteiro.org/2010/08/24/respeitem-o-meu-caixote/

    Mudança cultural?, estou esperando há 500 anos…

    • 9 Daniel Santini 26/08/2010 às 7:41 pm

      Preconceito, Pasqualini, é julgar com base em estereótipos e generalizar com base em fatos isolados (estou dialogando com o texto que você escreveu no seu blog). Será que essa imagem que você desenhou, de que os motoristas só respeitam quem tem grana para um bom advogado, não simplifica demais as coisas, meu caro? Até acho que tem gente que só toma cuidado e respeita a vida quando se sente ameaçado, mas tendo a acreditar que a maioria das pessoas não é assim. E daí a esperança em mudança e em um futuro de compartilhamento e tolerância mútua maior.

      Sobre experiências pessoais, já cansei de levar finas tanto “fantasiado” de ciclista, quanto de bermuda e chinelo. Tendo a acreditar que é uma questão de (falta de) perspectiva do motorista e perda da noção de espaço e risco que a bolha blindada provoca; o que ajuda a entender também porque acontecem encontros violentíssimos entre carros e postes. A velocidade anestesia. Tente dirigir na Carvalho Pinto nos 120 km/h tolerados e depois reduzir para 90 km/h. Você vai se sentir uma lesma por uns bons minutos, mesmo correndo assim.

      Saudações,

      Santini

  5. 10 Rayane Souza 27/08/2010 às 9:57 am

    Olá Daniel!

    Muito bacana seu texto.
    Suncinto e direto.

    Por incrível que pareça, ainda acredito que o motorista n quer me matar.
    Os que “querem”, é pq nunca estiveram do lado de cá [ciclista] e por isso não sabem se porta diante de um.
    Vejo isso numa questão: Meu pai a anos só anda de carro. E ele mora no interior, onde o trânsito é extremanete tranquilo. Um dia fizemos uma pequena viajem pela Estrada Real [Ouro Branco > Ouro Preto] de bike. Ele ficou extremante assutado com a distância que os carros o ultrapassavam, mesmo na descida, onde a diferença de velocidade entre bike e carro é menor.

    Andando com meu pai de carro, já vi ele passando mt próximo de ciclista e sempre falava “Vc tem que diminuir a velocidade e deixa a faixa livre para ele”.
    Porém, parece que ele nunca entendeu direito. Só depois da nossa viagem que ele tomou mais consciência.

    A questão é que tem mt ciclista que não sabe se portar no trânsito e dá margem para o carro o ultrapassar com uma “fina”. Se mantém em pontos cegos do motorista, se mantém imprevisível e quase que em cima da sargeta.
    Como também, no caso do meu pai, mts motoristas não tem a menor noção do que o ciclista passa. pesa que passar a 1,00m de distância com uma diferença de 50km/h na velocidade, é normal.
    Creio que o ideal é o ciclista saber como é ser motorista e esse motorista saber como é ser ciclista.

  6. 11 eduardomerge 02/09/2010 às 9:57 pm

    Daniel,
    Concordo com tudo, mas pedalar tranquilo em São Paulo é pedalar defensivamente, e muitas vezes contra as regras porque estão erradas e dependem do respeito no planejamento do sistema viário de todos modais… Bikes e pedestres… A fluidez dos autos como desculpa do esmagamento nas mini faixas da direita… Bike nas calçadas é mais seguro que dar as costas contando com a sorte… Acompanhar a velocidade dos autos é utopia de atletas urbanos…
    Vamos sim condenar essa geometria assassina e esclusiva dos autos… São muitos erros, não dá para assumir com riscos heróicos!

  7. 12 Carlos Eduardo 03/09/2010 às 11:35 am

    Ótimas dicas… Plenamente adaptáveis para a realidade brasileira.
    Moro em Manaus-AM e pedalo regularmente na cidade. Ao contrário do que a maioria do país pensa, nosso trânsito é caótico, agravado pelo fato de os condutores desrespeitarem regras básicas do CTB.
    Enfim, valeu pelas dicas.
    Vamos manter a “calma”!! 🙂
    Abraço


  1. 1 Carro: amigo do indivíduo, algoz da cidade | oecocidades Trackback em 22/09/2010 às 6:00 pm

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Os autores

Daniel Santini é jornalista, tem 31 anos e pedala uma bicicleta vermelha em São Paulo. Também colaboram no blog Gisele Brito e Thiago Benicchio.

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