O óbvio nem sempre é óbvio

Por Karina Miotto*

Bike devidamente presa - existem muitos roubos de bicicleta em Belém. (Foto: Karina Miotto)

Um dia antes de comemorarmos o Dia Mundial Sem Carro eu já estava, como de costume, sobre minha bike. O tempo em Belém, no Pará, era o de sempre: aquele calor gostoso de fim de tarde, com sol se pondo no horizonte, uma brisa razoavelmente fresca no ar. Passei por um quarteirão, dois, três. Quando atingi o sexto, o penúltimo que faltava para chegar ao meu destino, observei a avenida principal, de mão única naquele momento (antes de chegar nesse ponto, ela tem mão dupla).

Eu estava nela e pedalava na direção oposta à dos carros que passavam ao meu lado. Preferi fazer isso porque a outra opção é uma avenida onde os ônibus dirigem a altas velocidades – (não sei porquê, parece que seus motoristas estão sempre com pressa!). Além do que, eu pedalaria na contramão apenas por uns dois quarteirões. Afinal, “mão e contramão é um conceito que se aplica aos deslocamentos de máquinas, não de pessoas”, como diz o blog “Transporte Ativo”.

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Segui viagem. À minha direita havia um cruzamento, onde muitos motoristas aguardavam o fluxo de automóveis cessar para poder atravessar a avenida. Eu precisava passar na frente deles para seguir adiante. “Ok, estou entre um bando de carros parados e outros em movimento. Perigo zero, posso pedalar”. E pedalei.

Em Belém, as pessoas pedalam em família. Falta de respeito, infraestrutura adequada e atenção do poder público ampliam riscos. (Foto: Karina Miotto)

O susto
O motorista daquele Renault prata olhava apenas para a direção de onde vinham os carros, nem imaginou que à sua frente passaria uma ciclista vinda do outro lado. E, na pressa habitual em dar aquela aceleradinha básica para garantir a dianteira quando sobra um tempo para  poder seguir caminho, ele acelerou para cima de mim e de minha bicicleta azul escuro.

A acelerada lenta (o carro antes estava parado) de apenas um metro (um!) foi o suficiente para eu ir parar no capô, com a bike sobre mim. Ele desceu do carro, colocou o guidão da bicicleta no lugar, perguntou se eu estava bem e ficou tentando me convencer que eu agi errado (por que as pessoas sempre fazem isso?!). “Sorte sua e minha que você não se machucou mais”, disse. “Sorte mesmo”, respondi. E complementei: “Que isso sirva de aprendizado pra você e para mim”.

Para começar, nunca imaginei que um dia seria atropelada na vida (excesso de confiança?). Depois do susto, trouxe de brinde para casa um cotovelo ralado, uma torção de leve no braço, alguns roxos em uma das pernas e boas reflexões. Preciso confessar aqui que estava sem capacete e que me senti horrível por isso, ao mesmo tempo em que não parei (até agora) de agradecer a proteção divina. A partir de agora, vou investir em lanternas, buzina e no que mais for necessário para que me sinta mais segura pedalando pela cidade. Confesso que estou pé atrás, mas que fazer? Eu amo pedalar.

Atenção e cuidado
Cheguei à conclusão de que Belém, embora seja uma cidade plana e com lindas árvores, não é preparada tanto em termos de atenção e educação dos motoristas quanto de infraestrutura urbana para tratar bem a seus ciclistas. E olha que existem muitos por aqui. Outra reflexão boa é que não custa nada colocar o capacete e outros equipamentos de segurança para pedalar, nem que seja para ir até a esquina.

A vida é frágil. Um metro apenas e eu já fui parar no capô! Penso nessas pessoas que morrem em acidentes de trânsito muitas vezes vítimas da simples falta de atenção, seja delas mesmas ou do motorista. Decidi diminuir a autoconfiança, comprar alguns equipamentos e checar com muito mais atenção cada cruzamento que encontrar pelo caminho. Porque o óbvio nem sempre pode ser tão óbvio assim.

* Karina Miotto é correspondente de ((0)) eco Amazonia no Pará e autora do blog Eco-Repórter-Eco. O acidente aconteceu em Belém, mas a recomendação de pedalar com atenção vale para São Paulo e qualquer outra cidade. Pode ser contatada no twitter @karinamiotto. Leia algumas reportagens que ela fez: Grilagem no terra legal, Mineração x proteção da Biodiversidade e Ameaças a áreas protegidas na Amazônia; e veja fotos da Amazônia

5 Respostas to “O óbvio nem sempre é óbvio”


  1. 1 Aline Cavalcante 28/09/2010 às 4:56 pm

    assim como dirigir, eh preciso pedalar pensando em vc e nas merdas que os outros podem fazer!! a diferenca eh que, eh claro, o ciclista esta muito mais vulneravel e qq erro pode ser fatal..
    por isso sou super adepta ao grito e buzinadas..
    sempre que preciso ir na contramao e passo por esse tipo de coisa (motoristas querendo acessar uma via e so olhando para o fluxo) eu grito! BIKEEEEEEEEEEEEEEE
    espero ele olhar pra mim
    so dps eu passo

  2. 2 Felipe Aragonez 28/09/2010 às 5:45 pm

    Olá Karina,
    Já estive em Belém e fiquei espantado com o trânsito caótico. As pessoas vivem com pressa, os motoristas de ônibus são uns suicidads é pior que SP.
    Mas também fiquei espantado com a quantidade de ciclistas e muitos na contramão. Fiquei muito feliz com a grande quantidade de bikers, até vi algumas ciclovias, mas são aquelas que não levam a nada em lugar nenhum.
    Sobre seu acidente. Em cidades grandes, devemos ter atenção redobrada, pensar que a qualquer momento algo vai acontecer, temos que pedalar por pedestres, carros, bus, moto e até cachorros.
    Infelizmente NENHUMA cidade brasileira é boa para o ciclista.
    Mas é isso aí, o trauma pós acidente é normal, aos poucos você vai readquirindo confiança e pedalará normalmente. Força no pedal.

  3. 3 Cláudio Azevedo 28/09/2010 às 10:30 pm

    Desculpe a chatice (pra começar tou velho e só ando de bike, pra ir e voltar do trabalho todo dia, desde maio/10 <Niterói-Rio-niterói), mas uma coisa q n faço, de forma alguma é andar pela contramão (até pelo fato de Tb ser motorista) e sem capacete. Outra coisa fundamental é a iluminação: comprei umas lanternas de roda, de guidom e traseira, q coloquei no capacete (pareço uma árvore de natal… Q bom, sinal q tão me vendo. O q sempre falo pros meus filhos é q eles devem andar na rua com cuidado pra n "atropelar" um carro, morrer e prejudicar a vida de quem fica vivo (no caso o motorista e a família dele) PENSE. Felicidades.

  4. 4 Karina Miotto 29/09/2010 às 12:35 pm

    Obrigada, vcs estão todos certos. Vivendo e aprendendo!

  5. 5 Aline Cavalcante 29/09/2010 às 4:13 pm

    acho que perdi alguma coisa…

    quem atropela quem mesmo???


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Os autores

Daniel Santini é jornalista, tem 31 anos e pedala uma bicicleta vermelha em São Paulo. Também colaboram no blog Gisele Brito e Thiago Benicchio.

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